quinta-feira, julho 20, 2006

Recuerdo 01

Hugo Caldas


Essa palavrinha, “recuerdo” é algo que pode alterar um pouco a realidade. Todos nós tendemos a esquecer o passado e a modificá-lo. Psicólogos demonstram que uma fotografia pode levar qualquer pessoa a reviver experiências que na realidade nunca viveu. Quem sabe não seria àquela sensação que sentimos de vez em quando, ao chegarmos a um determinado lugar e nos vem de imediato o seguinte pensamento… “Tenho a certeza que já estive aqui antes ou, isso já se passou comigo," você jura! De tanto ouvir histórias contadas em família às vezes tenho a impressão que de algumas delas eu participei.

Salvador Dali, mestre da pintura surrealista, cita em sua autobiografia, “Diário de Um Gênio”, intrigantes “Recuerdos Intra-Uterinos e Falsos Recuerdos de Infância”. Sempre tive vontade de colocar no papel alguns acontecimentos que tiveram a minha participação, ou não. Já não sei ao certo o que é real ou ficção.

E com a devida licença de quem de direito… nada de Realismos Mágicos.

Esse “recuerdo” é a mais nítida e a mais antiga recordação que sempre me ocorre. Aparece. Que nem alma penada. Lembro da Igreja Matriz, enorme, dominando a rua principal, que se estendia numa bonita praça onde, menino, caçava borboletas. O zelador fazia vista grossa. Isso acontecia porque o meu avô era o prefeito da cidade. Algum tempo mais tarde, dia seguinte à sua derrota em uma eleição o tal zelador declarou fechada a estação de caça às lepidópteras….

Mas o fato se deu ao final da década de vinte, século passado, na cidade de Pilar, no agreste paraibano. Um escândalo…

Missa dominical, igreja lotada, calor insuportável, padre Luís Gonzaga falava compenetrado no alto do púlpito, e lá pelo meio do sermão achou de mandar um recado às senhoras zeladoras da igreja, “para que fossem mais cuidadosas com as coisas da casa de Deus”, pois, mais uma vez naquela semana havia se quebrado um jarro de flores. Nesse exato momento, num ímpeto da mais sagrada fúria, a Matriarca Donana Viegas, antiga e cuidadosa zeladora, levanta-se e dedo em riste, grita a plenos pulmões…

- "Isso é comigo safado…?"

Um burburinho percorreu a igreja desde as portas, passando pela nave indo até o altar-mor. Padre Luis, lívido com a inesperada reação termina o sermão e a missa sagrada naquele momento. Desceu, despiu a alva e demais paramentos, deixando-os ali mesmo, “no altar do Deus, que alegrava a sua juventude” e dirigiu-se calado, pálido, olhos injetados de ódio, ao adro a fim de esperar a saída dos fiéis. Ao deparar-se com Donana Viegas, plantou-lhe um direto nos queixos, que a veneranda senhora rodopiou em câmara-lenta e caiu desacordada. Por conta desse infeliz incidente, a cidade de Pilar recebeu punição exemplar da Diocese, passando dez anos sem ter direito a um padre. De castigo. A carolagem toda forçada a ir assistir missa, batizar e casar noutra freguesia, melhor dizendo, no município vizinho de São Miguel de Taipu, terra de Zé Lins do Rego. Um sufoco. Mas isto já é outra história. Ou recuerdo…

Entrou por uma perna de pinto…

Um comentário:

Marcia Barcellos disse...

Estes fatos são por demais interessantes.

Coisa curiosa é esta idéia de já ter vivido situações ...... Parece que nós, espíritos ou alma já conhecemos aquilo estamos vivendo....Acho que é por este caminho...................

Muito legal e por demais divertido seu texto.

Mamãe vai gostar muito quando receber de vc. Tchau!!!!!Márcia