quinta-feira, julho 20, 2006

Recuerdo 02 - O INCIDENTE DO SEGUNDO PERNOITE

Hugo Caldas

O noticiário dos jornais e televisões mostrando toda essa movimentação dos funcionários da Varig, a tentativa desesperada de salvar a empresa indo até Brasília etc, me levam de volta ao túnel do tempo e parece que vivo novamente os estertores da morte da Panair do Brasil, em parte causada por Rubem Berta, Presidente da Varig, que há muito cobiçava as rotas da Panair na Europa e no Oriente Médio, pelo General Castelo Branco, Presidente de plantão, e pelo Ministro Eduardo Gomes, da Aeronáutica.

… no final de março de 1959 vim ao Recife me inscrever para um concurso na Panair. Contava que tudo iria dar certo.

E deu. Passei no concurso e deixei João Pessoa definitivamente no dia nove de abril de 1959. Trabalhar no aeroporto dos Guararapes foi uma experiência absolutamente enriquecedora. Principalmente em se tratando do meu primeiro emprego.

No aeroporto da Panair trabalhava-se em rodízios. Como em hospital. Dois dias de 06.00hs às 14.00hs, dois dias de 14.00hs às 22.00hs e dois dias de 22.00hs às 06.00hs. Folgávamos dois dias, para tudo recomeçar de 06.00hs às 14.00hs… etc. No segundo pernoite era um horror, dizia-se que por força da noite anterior não dormida, trabalhávamos com o piloto automático ligado.

Um belo dia, já ao final do tal segundo pernoite, por volta das cinco e trinta da manhã, barba por fazer, olheiras denotando a noite praticamente em claro, gravata aberta, cabelos desalinhados, frio de rachar, intratável todo, percebo que alguém pousa suavemente uma passagem de funcionário da empresa no balcão.

Olho para o passageiro e de imediato sinto uma sensação estranha, que se agrava quando o tal passageiro diz…

- Aposto que você está pensando, “eu conheço esse velhote não sei de onde”.

(era o que realmente eu estava pensando)

- Disse ele então…”em todas as agencias da Panair tem um retrato meu…”

Tremi na base. Meu Deus do céu. É o Comandante Sampaio, Presidente da Companhia. Instintivamente tentei ajeitar a gravata, os cabelos, e até forçar um ar de riso amarelo…

- “Deixa pra lá meu jovem, disse ele percebendo a minha angústia. Como ainda não chegou praticamente ninguém, eu fico aqui no balcão, enquanto você vai rápido ao banheiro, lavar esse rosto, ajeitar a gravata e a camisa. Passe um pente nos cabelos. Comigo não há problema, mas eu conheço muito bem o seu chefe, Narciso, que deve chegar a qualquer momento! Ai de você se ele te pega assim. Se cuide e volte para me despachar. Vá, rápido!”

No pátio, ao pé da escada para entrar na aeronave ele pegou suavemente no meu braço e disse baixinho…

- “Não vá ficar pensando que todo dia é Dia Santo!”

Um último aceno na porta do avião, e comigo ficou a satisfação de poder compartilhar um pequeno segredo com tão importante figura.

Um comentário:

Ana Cristina Sampaio disse...

É com alegria e emoção que agradeço a manifestação de carinho e respeito por meu avô. A mensagem foi transmitida aos meus familiares, trazendo o conforto de que Paulo Sampaio deixou um legado que teima em não se apagar e, que sua presença permanece entre todos nós.
Um grande e afetuoso abraço,

Ana Cristina de Oliveira Sampaio