segunda-feira, dezembro 18, 2006

RECUERDO 15 - Tia Emma, o 007 Lusitano e o Cônsul Trapalhão

HUGO CALDAS

Final da década de 50, Aeroporto Internacional dos Guararapes...

As minhas relações com os súditos da pátria portuguesa nunca foram lá muito amistosas. Não sei exatamente a razão. Talvez por me dar frouxo de riso ao ouvir o sotaque. Todo cidadão português me reportava ao estereótipo de um personagem não muito inteligente da PRK-30, antigo programa radiofônico de humor onde se apelava muito para os Manuéis e Joaquins.

O cônsul então, este me detestava mercê um pequeno incidente que teria tido conseqüências mais graves não tivesse eu o devido jogo de cintura. O caso, eu conto!

Me chega certa manhã, o sr. Cônsul acompanhando um músico português com mil e uma bagagens para embarque e ao se apresentar, foi logo dizendo:

- "Eu sou o Cônsul de Portugal aqui, este é o maestro Fulano de Tal... e de antemão lhe digo que não iremos pagar pelo excesso de bagagem."

Estupefato, pego o telefone ...

- "Há um passageiro português aqui, por sinal acompanhado do sr. Cônsul"... procuro saber do meu chefe de turma o que fazer.
- O cara trouxe autorização por escrito da agência? Não? Então cobra!

Efetivamente a cobrança foi feita e deu-se o dito pelo não dito. Pensava eu!

À tarde uma viatura da Panair do Brasil estacionou na minha porta.
"O Chefe quer lhe ver, prepare-se." Ao entrar no escritório da Direção Regional deparei-me com uma espécie de Corte Marcial. O Cônsul, mais os chefes da agência todos sentados como em sessão do júri de filme "B" americano.

O Cônsul, - após relatar à sua maneira o ocorrido, arrematou..." - e ainda por acinte o seu funcionário me chamou de português..."

Relatei também a minha versão, despejando ao final ..."e não me consta que este senhor aqui presente, seja coreano..."

Gargalhada geral e o caso foi encerrado.

Em aeroportos internacionais acontecem mil coisas e você entra em contato com as pessoas mais diversas com seus dramas e suas alegrias.

Um belo dia, ...um "gajo" fazendo caras e bocas, maior mistério, me aborda de maneira bastante estranha. Ostentava uma pose pernóstica, metido a besta, pedante, mania de grandeza, maneira de nos olhar de cima para baixo, do mais puro desdém.

- "Tenho lhe observado por mais de 30 dias e vejo que você é bem traquejado, desenvolto, fala bem o inglês, portanto merecedor da minha maior confiança, razão pela qual lhe faço uma proposta irrecusável."

- Que achas de ir até à Inglaterra apanhar uma encomenda e voltar? E de supetão: "pagarei o dobro do que recebes de salário por mês!"

- Coisa mais maluca era aquela, pensei com todos os botões da minha camisa? Pedi explicações!

- Naturalmente terás que ir nos teus dias de folga até o Rio de Janeiro. De lá embarcas em um avião da SAS com destino à Londres. No aeroporto, ao sair do aparelho deverás ostentar uma orquídea amarela na lapela que será o sinal para que encontres o teu contato. Ele, portando uma orquídea idêntica, virá te abraçar e dirá a "senha..."

- "Como vai a Tia Emma?"
- Tu responderás à senha..." bem, apesar do acidente sofrido."

Ele então te entregará duas caixas do tamanho exato de uma caixa de charutos que porás no bolso do sobretudo e com passagem já confirmada, voltarás em avião da TAP duas horas mais tarde fazendo uma escala em Lisboa, indo diretamente para São Paulo. De lá farás o itinerário de volta." Perguntei o que havia dentro das caixas mas ele desconversou. Não dei resposta definitiva, é claro. Ficou então de aparecer mais tarde no balcão para fecharmos o negócio.

Aquilo ficou, como diria anos mais tarde, "Zeca Diabo", "varrumando o meu miolo." Recebia de salário Cr$ 7.500,00 por trinta dias de trabalho e me aparecia a chance de receber o dobro em apenas dois dias...!

A maneira que encontrei de tirar toda aquela maluquice da cabeça foi contar tudo para o meu chefe de turma, pra todo mundo e mais alguém da companhia. À noite quando ele veio receber a minha resposta o pessoal da turma estava em peso no balcão, esperando. De longe o gajo entendeu e deu marcha ré nos seus propósitos de me iniciar no florescente ramo do contrabando. Nunca fiquei sabendo qual o conteúdo das caixas. Alguém falou que deveriam ser agulhas para toca-discos da marca Shure muito requisitada à época.

...vez por outra, passados tantos anos nos esbarramos pelos supermercados da vida. Ou nas farmácias, de Boa Viagem. Ele não me reconhece mais. Está bem mais velho, é claro. Mas ainda ostenta a mesma pose, a mesma mania de grandeza, a mesma maneira de nos olhar de cima para baixo no mais puro desdém. Deve pensar que ainda somos colônia. Parece não ter prosperado muito com o criminoso comércio. Não voltou, entretanto à "terrinha." Terá criado raízes aqui ou então, a PIDE - Policia Internacional de Defesa do Estado - o SNI de Portugal à época - o conhecia muito bem e vivia querendo lhe por as mãos. Preferiu ficar é claro, neste país, onde tudo quanto é criminoso de filme sempre termina, são e salvo, numa boa. Qualquer semelhança.......

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