terça-feira, janeiro 30, 2007

SUCEDIDOS 14 - A APOSTA


ELPIDIO NAVARRO

O Bar de Nega era o ponto de encontro de todos os veranistas da Praia do Poço. Não só por ser central, como também pela forma simpática e tolerante que ela recebia as pessoas. Ocupávamos as suas mesas e cadeiras e bancos, sem nada gastar e ela não fazia cara feia, não se preocupava com o fato do não faturar conosco. Claro que vez em quando, quando tínhamos dinheiro, comprávamos cerveja, cachaça, cigarros, refrigerantes e os deliciosos quitutes, sua especialização, principalmente cachorro quente. Também jogávamos baralho, dominó e víspora, o jogo de preferência de Dona Nega. Era ela quem chamava as pedras.

O período noturno da gente dividia-se em duas partes: antes das moças irem dormir e depois das moças irem dormir. Com a presença da população jovem feminina, eram os assustados, os namoros, os jogos, as serestas; sem essa presença, era o papo masculino, que acontecia depois das dez, lá no alpendre do bar. E foi num desses papos de machos que tudo começou.

Nega tinha um garçom, vindo não sei de onde, já de meia idade, cujo aspecto físico não era dos mais saudáveis. Sempre achei que ele não tinha boa saúde, devido a sua cor macilenta e sua magreza. Era ele quem ficava nos atendendo ou tomando conta do bar, depois das dez horas. Não sei quem começou a peleja, mas alguém disse não acreditar existir uma pessoa que emborcasse uma garrafa de aguardente na boca e tomasse até o último gole. Outra pessoa disse que já tinha visto alguém fazer isso. A maioria não acreditou. Estava formada a discussão, enquanto o tal garçom observava tudo calado. Lá prás tantas, como ninguém chegasse a um acordo, ele fez o desafio:

- Se me pagarem e pagarem também a cachaça, eu tomo!

Silêncio. Susto geral. Ninguém esperava uma proposta daquela. E agora, o que fazer? Fugir do desafio? E alguém, não lembro quem, teve a infeliz idéia de dizer que aceitávamos a aposta:

- A gente paga tudo se você tomar sem parar. Agora, se você não conseguir, não recebe nada e ainda paga a garrafa de cana. Certo?

- E de quanto é a aposta, quanto eu ganho se tomar?

Aí veio outra péssima idéia: uma vaquinha. E lá foram os nossos trocados que, somados, resultaram em quatorze cruzeiros mais o valor da bebida. O garçom aceitou. Foi buscar a garrafa e diante de nós e da nossa expectativa, abriu-a e começou a tomar. E a gente observando e ele bebendo, bebendo, bebendo, sem parar. A gente abestalhado e ele rindo da nossa cara. Tomou o último gole, virou a boca da garrafa para baixo mostrando que ela estava vazia e falou:

- Eu não disse que bebia todinha?!

Riu e caiu duro no chão! Ficamos apavorados, sem saber o que fazer. O garçom estava mais pálido do que era, frio e não mexia com nada. Zezé de Holanda, mais nervoso do que os outros, dramatizou:

- Ele morreu e nós somos os responsáveis pela sua morte!

Bivaldo Araújo, mais sensato, tomou a decisão:

- Gente, vamos bota-lo em cima do banco. Não pode ficar aí no chão!...

Cada um pegou numa perna, num braço, na cabeça, suspendemos o falecido ou desfalecido, colocamos em cima de um desses bancos compridos de igreja que existia no terraço do bar. Alguém mais experiente, não lembro quem, declarou:

- Morrer ele não morreu! Estou sentindo o pulso dele. Está desmaiado.

A informação nos aliviou um pouco do medo que já estávamos sentindo...

- Mas pode morrer! Isso dele deve ser coma alcoólica e ele não retornando corre o risco de uma parada cardíaca...

O medo que havia sido aliviado, deu lugar ao pavor! Coma alcoólica, parada cardíaca, eram coisas estranhas para nós. Aí veio a sentença:

- Ele não pode ficar sozinho. Alguém, de vez em quando, precisa examinar o pulso e sentir se está funcionando. Se parar, precisa dar massagens até voltar...

Já se aproximava o raiar do dia, quando o garçom deu os primeiros sinais de ressurreição: mexeu a cabeça. Quase, para nós, um momento de euforia, depois de passar a noite toda pensando nas conseqüências da nossa aposta, que iam do remorso à condenação por morte. Mexe aqui, mexe acolá, com um pouco da nossa ajuda, o desmaiado volta a si e senta-se no banco, olha em sua volta, ri para nós e diz:

- Meu dinheiro? Eu não ganhei? Vamos pagando que está na hora de dormir, amanhã é dia de trabalho duro aqui!

O desgraçado não tinha noção da hora nem do nosso aperreio. E lá se foram as nossas minguadas economias para o fim da semana, somadas a uma noite de sono. De volta para casa, fui pensando numa sugestão que foi dada no auge da nosso apavoramento:

- Uma lã com álcool no nariz dele, ele acorda...

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