sábado, agosto 18, 2007

O SÉCULO VINTE MORREU


HUGO CALDAS

Saibam todos quanto o presente virem, ou dele tomarem conhecimento, que no dia 15 de Agosto de 2007, um pouquinho após as oito da manhã, foi de fato e de direito, decretada a extinção do Século Vinte. Morreu, quando estava dormindo em sua casa, Joel Silveira um dos maiores, senão o único, o mais importante repórter do país. Quem sabe o derradeiro, o legitimo representante de uma classe atualmente em extinção. O Correspondente de Guerra. Com ele se foram os últimos vestígios da Segunda Guerra Mundial, 1939-1945.

Joel Silveira lançou um total de 40 livros, como Dias de Luto, 2.ª Guerra: Momentos Críticos, Memórias de Alegria e O Inverno da Guerra. Vale salientar, como testemunho jornalístico, a entrevista feita com Getúlio Vargas 15 dias antes do suicídio, em Agosto de 1954. O seu corpo foi cremado na quinta-feira no Crematório do Cemitério do Caju, no Rio. Não houve também velório, de acordo com o desejo dele próprio.

Não é o caso de querer aqui fazer um necrológico. Até porque não me acho capacitado para tal empresa. Apenas desejo fazer saber a grande admiração que sempre nutri por ele. Homem de opiniões fortes, as quais fazia valer e das quais não guardava segredo. Não importava se as suas opiniões desagradavam a gregos e troianos, ele não estava nem aí. Se por acaso não gostava de alguma coisa ou alguma pessoa, declarava alto e em bom som para todo o mundo ouvir. Somente isso já basta para qualificá-lo como pessoa singularíssima o que lhe valeu o epíteto de "Víbora". Inteligente, tinha o respeito de todos aqueles que conseguem enxergar algo mais do que apenas a nuca do companheiro da frente. Levava ao extremo sua missão de bem informar indo em busca da notícia onde quer que ela estivesse. Mesmo no campo de batalha. Joel Silveira foi enviado como correspondente dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand para cobrir a FEB na Itália.

Algumas de suas famosas tiradas:

"Não entendo o fenômeno João Gilberto: é um dos mistérios que minha inteligência não consegue alcançar. Eu até me esforço para entender tanta idolatria, porque, como sou repórter, gosto de saber das coisas. Mas confesso que não consigo. "Eu não o levaria de forma nenhuma, para uma ilha deserta. Com aquele violãozinho, uma coisa horrorosa. Aliás,o melhor talvez fosse mesmo deixá-lo na tal ilha deserta, sem violão!"

- E a frescura de implicar com o ar condicionado por conta da afinação do violão?! Aliás, não entendo também a idolatria por Gil, Caetano, Gal, Bethania, Novos Baianos (estão em liberdade?) - a voz do Chico Buarque é uma derrota. Uma coisa trágica. Como entender isso tudo? Me parece é que na época, eles chegaram cantando o que nós queríamos ouvir. Sinceramente, não acredito no sucesso em "tempos normais". O Tom Zé? Um chato de galochas.

"Ridículo é o velho que quer parecer moço - aquele que pinta cabelo, rebola e faz uma operação plástica por mês".

- Pois isso de viver de aparências é realmente outra tragédia. Maracujá de gaveta todo enrugadinho mas o cabelo, azulado. À propósito, lembro uma frase do ator Robert Redford ao se referir a cirurgia plástica: "Algo da sua alma em sua face, vai embora."

"O Brasil tem apenas dois grandes autores, dignos de serem chamados de escritores: Machado e Graciliano Ramos. O resto é o resto."

"Conversava muito com Graciliano, sempre amargo, gostava muito de uma cachacinha. Era uma figura fabulosa. Depois da morte dele, entramos na entressafra literária. Há um ou outro que tenha publicado um bom livro, mas não um conjunto de obras como tinham Graciliano, Machado de Assis, José Lins do Rêgo."

"Jorge Amado é uma porcaria, sempre foi. Fui amigo do Jorge, depois rompemos. Não gostava da sua maneira de agir, ele não era imoral, era amoral."

- Jorge Amado também nunca me fascinou. Dizem que ele fez sucesso, porque o partidão estabeleceu como "tarefa" todo mundo comprar os livros dele. A comunistada obedeceu, como sempre. Dos Amado, prefiro o Gilberto, seu primo. Suas memórias, História de Minha Infância, Minha Formação no Recife, Mocidade no Rio e Primeira Viagem à Europa, Presença na Política e Depois da Política, são de fundamental importância na memorialística brasileira. De Jorge apenas consegui ler um conto: "De Como O Mulato Porciúncula Descarregou O Seu Defunto."

"Até hoje, acho que o Brasil só tem três grandes prosadores realmente digno deste nome: Machado, Graciliano e Monteiro Lobato, o resto é segundo time."

"Guimarães Rosa eu acho que é truque. Ele é o Joyce cabloco. Inventou uma língua que ninguém fala".

"Nunca consegui chegar ao final de “Os Irmãos Karamazov.”

- Nem eu! Aliás, nunca consegui também, passar da segunda página da Bíblia.

"Agnóstico, alisto-me entre os que concordam sem vacilar com o que disse o poeta Murilo Mendes : "Deus existe, mas não funciona."

Na seara das unanimidades burras como diria Nelson Rodrigues.

- O Paulo Coelho? Jacques Chirac, ex presidente da França, Bill Clinton, ex idem dos EUA, o Premio Nobel Kenzaburo Oe, a cantora (sic) Madonna e mais uma récua de "celebridades," tecem as maiores loas e pelo que se sabe conseguem ler o "mago." Como se vê, o mau gosto não é prerrogativa de ninguém.

- Temos ainda o "Cavaleiro da Esperança," com a sua confissão em ordenar o "justiciamento" de uma garota de 16 anos de idade, apaixonadíssima, que diariamente, qual boa samaritana, ia levar uma comidinha melhor para o alemão Harry Berger, preso logo após a famosa "Intentona". A "amizade" com Getulio ao sair da cadeia, apoiando o ditador, no estádio do Vasco da Gama em memorável comício. Enquanto isso sua mulher Olga havia sido entregue aos alemães pelo chefão Filinto Müller do DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, eufemismo da "inteligentzia" do Estado Novo.

- Niemeyer e sua ideia fixa para com o concreto armado. Ache quem quiser modernismo eu considero uma pobreza. Aqui no Recife, andou o indigitado, cogitando um projeto para um parque à beira mar com 70ha da área ocupados com teatro, palcos de eventos tudo no mais puro concreto armado. Felizmente houve reação e me parece que o tal projeto está em fase de novos estudos.

Pois é. Aprendi com Joel Silveira a não mais engolir sapos. Considero que ao ficar do seu lado estarei em muito boa companhia.

hucaldas@gmail.com

4 comentários:

Anônimo disse...

Realmente Joel foi um grande jornalista, corajoso, quebrava tabus e dizia o que pensava sem temer represálias com segurança e inteligência. Um abraço Djanira

Anônimo disse...

Foi no último dia 15, no Rio de Janeiro. Num artigo intitulado "O Século Vinte Morreu", Hugo Caldas comenta o falecimento do Jornalista, transcreve algumas sentenças do mesmo e declara a sua própria adesão ao pensamento de Joel Silveira, onde destacam-se afirmações pretensas "rodriguianas", sem a verdade das do dramaturgo Nelson Rodrigues. Dizer que "Jorge Amado é uma porcaria, sempre foi" me parece mais coisa de quem quer aparecer a todo custo, como Zé que cagou na pia batismal. Ou então bulha de nordestinos. Não esquecer que o Jornalista perdeu eleição para a A.B.L. justamente para Zélia Gattai. O autor do artigo acima citado também embarca na mesma nau furada e comete a seguinte declaração: "Jorge Amado também nunca me fascinou. Dizem que ele fez sucesso, porque o partidão estabeleceu como "tarefa" todo mundo comprar os livros dele. A comunistada obedeceu, como sempre." A obra de Jorge Amado é traduzida e elogiada em vários idiomas. Outras não o são. Já o termo COMUNISTADA, que pretende denegrir os antigos, como eu, adeptos do PCB, Hugo deve ter ouvido de algum americanoide.
Mudando de assunto, enfim, vejo, diante da danação de ataques contra Lula e crescente medo de um novo golpe militar, muita gente que se dizia de esquerda arribando para o outro lado ou pulando em cima do muro, seguindo os preceitos do filósofo chinês Ken Tenku Temedu.

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Plínio Palhano disse...

Confesso que não entendi o segundo comentário, assinado pelo sr. Elpídio Navarro, do dia 20 de agosto, sobre o grande repórter Joel Silveira, parece-me uma coisa rançosa, algo ultrapassado, da patrulha antiga, grosseira, apegada em termos como comunistada: todos nós sabemos, hoje, que o apoio a Jorge Amado foi grande por parte do PCB, e que as viagens infindáveis, prêmios, etc., e o sucesso editorial, tinha o empenho do partido. Não vejo nenhum crime nessas afirmações: "Jorge Amado também nunca me fascinou. Dizem que ele fez sucesso, porque o partidão estabeleceu como "tarefa" todo mundo comprar os livros dele. A comunistada obedeceu, como sempre." O próprio escritor bahiano denunciou, ao sair do partido, depois de gozar todos os privilégios oferecidos, dizendo-se oprimido por opiniões de líderes comunistas que não entendiam de literatura e pretendiam interferir até na criação de suas obras, determinando o que deveria ser publicado, --- foi o que confirmaram, ele e Zélia Gattai, em várias ocasiões, na imprensa. Isso não tira totalmente o mérito do romancista, nem o seu talento. E o fato de ser traduzido em várias línguas, o ‘mestre’ Paulo Coelho, já acadêmico nacional, eleito por submissos fardões da ABL, ganha de dez a três para o nosso bahiano: é traduzido em muito mais línguas, e em números de edições: se o mérito for por aí... Mas, quanto ao repórter Joel Silveira, a sua obra é necessária para este país, nos dias que correm, não tenhamos dúvida. Sempre foi respeitado por aqueles que conseguem captar uma inteligência ágil e aguda, inclusive pelo próprio Jorge Amado, em algum período da relação de amizade entre os dois. Pensar como ele, em nosso Brasil, é raro; alguns pensadores de hoje estão constantemente aliados aos poderosos do momento e os bajulam com a arte e a fineza dos hipócritas. Ser crítico hoje, para alguns, é ser de direita e golpista, ou oposição ao todo poderoso e puro irmão que está no ápice da pirâmide social, como o nosso presidente infalível, é loucura. Não podemos dizer nada crítico, só saudá-lo como um grande estadista. Paciência!
Parabéns a Hugo Caldas pela homenagem a Joel Silveira.