sábado, setembro 29, 2007

UM ASILO MUITO LOUCO


HUGO CALDAS

Amanheci o dia recebendo de amiga querida, via e-mail, uma antiga marchinha de carnaval. Foi como uma viagem no túnel do tempo. Instantaneamente repassei a preciosidade para amigos que comigo vivenciaram nos anos 50, vários carnavais ao som da ingênua marchinha. É comovente perceber como os tempos eram outros. Nós éramos outros. Ingênuos e bem-comportados. De imediato, um desses amigos me responde:

"Tínhamos um imenso prazer nas pequenas coisas. Ou uma emoção maravilhosa diante da garota por quem nos apaixonávamos. Quer saber? Acho que hoje ninguém é realmente feliz. Uma sociedade em que a felicidade suprema consiste em aparecer na Globo ou na Caras é uma sociedade muito doente, ou muito burra, ou ambas as coisas."

Tem toda a razão o meu dileto amigo. Os tempos decididamente são outros.

Sinto-me cansado de ver prosperar as iniqüidades.

Ah, essa maldita herança Ibérica, Judaica Ocidental Cristã e acima de tudo Portuguesa. Quanto mal nos fez. A Santa Madre Igreja nos encheu de culpas. Tudo era e continua sendo pecado. Fomos criando um monstrengo dentro de nós. Monstrengo esse que adora tirar proveito de tudo e de todos. Monstrengo que se levanta de manhã cedo com uma idéia fixa: "Em quem eu vou passar a perna hoje?"

Nem precisa ser senador ou deputado ou...
Essa "passada de perna" traduz-se até nas coisas mais simples.

Fingir que dorme na cadeira dos idosos e deficientes nos ônibus, para não ter que ceder o lugar. Fazer um conluio com o motorista e o cobrador para não passar na borboleta e evidentemente não pagar a passagem inteira. Essa atividade (roubo, mesmo) se revela uma verdadeira sangria nos cofres da empresa. Resulta em um senhor salário-extra ao final do mês.

Tem mais:

O péssimo atendimento nos bancos, nas agências do correio, nas repartições públicas, nos hospitais etc. Parece que estão fazendo o maior favor do mundo em atender ou prestar uma mísera informação. Por ouro lado a nossa tentação em molhar a mão do guarda. Às vezes o tal guarda é honesto e aí... Furar filas então, é um êxtase. A falta de respeito é um fato consumado. Educação é tudo. E tudo parte daí, eu acho.

Haverá solução para tudo isso?

Tem gente imaginando que ensinar música e dança para crianças carentes é a salvação. Todo mundo sabe que não se vive de música neste país. O mercado de trabalho está saturado. Substituíram os músicos por DJ's e música eletrônica. Porém ensinar um instrumento musical tornou-se a monumental panacéia. Receio que terminemos um país de 180 milhões de músicos. E mais outro tanto de dançarinos. Será que, com tudo isso estamos no caminho certo?

O que mais agride é perceber que antigamente as pessoas, para entender o Brasil, liam Casa Grande e Senzala. Hoje, assistem ao Domingão do Faustão. Ou a Regina Casé fazer a apologia da periferia. A louvação do sujo e do mal lavado. O elogio do feio ao invés do bonito, do errado no lugar do certo. Funk é que é a cultura. Viva o miserê, a penúria e a podridão do esgoto a céu aberto.

Vivemos de aparências. Gastamos uma fábula para sediarmos o PAN e não temos esparadrapo, muito menos mercurocromo nas clínicas e nos hospitais de atendimento SUS. As pessoas estão morrendo nas salas de espera (sic) desses nosocômios que mais parecem uma sucursal do inferno. A saúde do país foi pro espaço... Com ou sem crise aérea.

Carlos Manga o diretor das melhores chanchadas de Oscarito e Grande Otelo disse há poucos dias em entrevista que jamais faria um filme tendo como pano de fundo a favela, a miséria, a bandidagem, policia bandida, etc. Faz ele muito bem. A "denúncia," é feita, se ganha muito dinheiro, tudo vira o maior ôba-ôba e fica-se na mesma. Lembram de "Pixote"? Além do mais, nós assistimos a esse tipo de filme no jornal da TV diariamente.

"O Lobo Hidrófobo," Paulo Francis, disse certa vez: "O Brasil é um asilo de lunáticos onde os pacientes assumiram o controle". Eu ousaria colocar que:

O mundo também é um outro asilo muito louco...

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domingo, setembro 23, 2007

AVISO IMPORTANTÍSSIMO!!


MEUS CAROS

Descobri que uma grande amiga está entrando na política a fim de lutar o bom combate.

Marilou L'Amour está saindo candidata a Prefeita de Barreiros em 2008. Não sei por qual partido mas confio na sua integridade e sabedoria. Confio na sua coragem para enfrentar mudanças.

Não é qualquer pessoa que se entrega a uma empreitada desta magnitude. Tem que ser uma brava mulher. Com pinta no olho. Pelo que se sabe Marilou L'Amour é essa mulher. Marilou L'Amour é a única mulher a competir pela prefeitura de Barreiros em toda a sua história. Não vai ser fácil, acredita ela. A competição deve se apresentar acirrada. O fator dinheiro deverá mais uma vez falar alto como é a tradição neste país. Mas é justamente para acabar com esse vício, esse tipo de politica caduca que ela entrará em campo.

Respeitável filha da terra Barreirense tem toda uma história a ser contada lá, na sua própria cidade. Filha do Tabelião do Cartorio de Barreiros Antonio Felix da Silva e Luiza L'Amour, hoje continua prestanto seus serviços a Educação do Estado pela Secretaria de Educação de Pernambuco, onde atende a todas 17 Gerências Regionais de Educação de todo Estado de Pernambuco, na área de Capacitação de Gestão. Se eleita, seu objetivo maior será trabalhar para e pela cidade dos Barreiros. Sua Terra Natal.

Foi funcionária pública até se aposentar pelo estado e pelo municipio. Escritora, editou e publicou "Lembranças" livro de poemas e crônicas. Outro livro já está no prelo a ser lançado em março do próximo ano. Fora das fronteiras do estado foi Secretária de Educação do estado de Sergipe. Diretora do CERU de Barreiros por nada menos de 12 anos, além de Gerente de Programação da Gerencia Regional de Educação do Litoral Sul. Belo currículo como podem ver.
Marilou é casada, tem dois filhos e tenciona voltar à sua terra a fim de contribuir com o povo na solução dos graves problemas da Cidade de Barreiros que ela sabe são vários.

Nada mais verdadeiro e justo do que votar em uma candidata com as qualidades de Marilou L'Amour. Para entrar em contato com Marilou: lamour205@hotmail.com>

Acorda Barreiros!

sábado, setembro 22, 2007

CRÔNICA DE DOMINGO

O PROFESSOR DE PORTUGUÊS

VALDEZ JUVAL


É sempre prazerosa a recordação do tempo em que se inicia uma vida profissional. Fui morar no interior. Logo ao chegar para assumir o cargo de Promotor de Justiça, sofri assédio, (no bom sentido), de um ex irmão marista. Era Diretor do Colégio Estadual da cidade.

Fazia-me um convite - mais que um convite - um apelo, para ajudá-lo na crise com a falta de professores e muito especialmente na cadeira de Português. O único existente era um padre que deixara a batina para se casar e iria embora da cidade.

Fiz inúmeras ponderações mas não pude deixar de atender o "Irmão" desde que se conciliasse os meus trabalhos na Comarca. A minha primeira preocupação foi saber qual era o método de ensino do ex professor. Tudo era na base do grego e do latim.

O que iria fazer numa sala de aula se até hoje nunca aprendi uma só palavra de grego... e do latim apenas tinha decorado um trecho da catilinária para me submeter a exame de vestibular?!

"Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?..." Serviu-me de inspiração! Tratei de reler o discurso de Cícero, traduzido, claro, e me adverti que na leitura está a melhor maneira de se aprender. Livrei meus alunos de se preocuparem com o desentendimento entre Brasil e Portugal na conjugação do verbo "berrar"; o que é Semântica (paronímia, polissemia); conotação e denotação na Estilística; ortoépia/ prosódia na Fonética e por aí a fora...

Distribui como tarefa doméstica, para cada um, sem repetição de título, a leitura de um livro que seria exposto e discutido em sala de aula pelo próprio aluno quando fosse chamado. E assim as aulas tiveram uma atração especial e conhecimento dos autores nacionais pelos jovens. Com a leitura, a aplicação da gramática (sem “arrodeios” ou nomes feios).

Certa feita, na interpretação de um livro de Raquel de Queiroz, perguntei se não estava errada a forma de se iniciar uma frase com a variação pronominal. Encontrei quem respondesse citando a coluna “Escreve o Leitor” de uma revista famosa na época que, para pergunta semelhante, dizia ser forma ou estilo da própria autora. (Sem comentários, agora... Lógico que na sala de aula apresentei argumentos pessoais, com o devido respeito à opinião do comentarista e a forma de escrever da imortal. Todavia, contudo, porém...Que falem os gramáticos antes que fique famoso e crie minha própria maneira de escrever).

O tempo foi passando e fui me deparando com tantas outras coisas que nem Aurélio, Houaiss e outros vernaculistas saberiam explicar, notadamente com o advento da nova linguagem na Internet. De minha parte afirmo com freqüência que não sei falar e escrever a própria língua exceto o meu nome pois o copiei, letra por letra, da certidão de nascimento.

Valdez Juval da Silva é Promotor Público da Paraíba e um dos fundadores do Teatro do Estudante da Paraíba.
valdez_juval@hotmail.com

Ela se foi com aquele jeito assim tão frágil...


ANCO MÁRCIO DE MIRANDA TAVARES

Parecia uma boneca. Não dessas bonecas de hoje, não dessas Barbies modernas que esbanjam saúde, mas uma boneca antiga daquelas de louça que tem o rosto bastante pálido. Andava bem devagarinho parecendo uma senhora, apesar de eu saber que tinha apenas dezessete anos.

Haviam me dito que era uma menina um tanto doente, que sofria de umas febres e de uma tosse terçã, que nunca ficavam boas. Parecia mesmo uma menina doente, sempre envolta em casacos de lá, mesmo que o tempo estivesse bem quente. Fazia frio dentro dela, foi o que me disseram.

Tinha um namorado igualmente magro, igualmente doente, que andava ao que parece amparado nela, como se por acaso seu corpo frágil fosse uma muleta ou mesmo uma bengala. Um dia, os dois passaram na chuva e eu os chamei para que ficassem um pouco em minha casa. Agradeceram e seguiram em frente.

Foram assim, como quem tenta ir entre um pingo e outro, embora isso seja impossível para qualquer ser humano. Queriam driblar a forte chuva que caía, queriam livrar-se dela, sem que para issso usassem um mísero guarda chuva. Queriam que os pingos passassem longe deles, embora que se molhassem muito.

Depois disso ela deixou de passar. Soube que havia caído de cama e que tossia o dia inteiro, praticamente vinte e quatro horas. Fui vê-la no hospital. A vi pelo vidro da UTI, esquelética com os ossos a lhe furar a pele esbranquiçada de menina. O namorado já havia morrido na véspera.

E no dia seguinte, ao meio dia ela morreu como uma vela que se apaga. Sem tossir nem reclamar. Muda como viera ao mundo. E na moldura de minha janela nunca mais foi vista. E na frente de minha casa nunca mais passou. Foi-se embora assim como vai uma chama de vela quando se sopra. De repente...

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sexta-feira, setembro 14, 2007

RECUERDO 25 - INGLÊS PARA AMERICANOS?!


HUGO CALDAS


Era bem o começo da década de noventa. Vida correndo a rotina de sempre. Aulas e mais aulas de inglês. De repente, o inesperado. Recebo de uma importante e influente escola de línguas da California o convite para assumir um posto de professor assistente. Que é isso, perguntei aos meus botões? Ruy Barbosa redivivo? Dar aulas de inglês para americanos?

Eu é que não sabia da missa um terço.

A escola em questão pertencia a uma unidade das forças armadas e lecionava todas as línguas e dialetos do mundo. A praxe era trabalhar com nativos. Já lá estavam um professor de Caruaru e outro do Recife. Ao longo do período de ensino esses mesmos professores trabalhavam a cultura e as peculiaridades do lugar para onde os alunos se destinavam. O major Jacobs, meu chefe no escritório do US Army no Recife, estudou português durante oito meses, oito horas de aulas por dia e quando aqui chegou, não apenas falava com sotaque nordestino como sabia da existência da "Capela Dourada," - era católico - "O Buraco de Otília," à época famoso restaurante de comidas típicas e como primeiríssimo lugar a ser visitado, o "Alto do Moura" em Caruaru. Quando da sua chegada na base aérea, a todos saudou em inglês arrematando com um caloroso aperto de mão. Na minha vez foi logo dizendo no melhor português: "Você deve ser Hugo. Quando sairmos daqui você me leva pro hotel que eu preciso tirar essa farda ridícula, botar roupa mais condizente. Vamos ao centro da cidade. Quero ver as pontes sobre o Capibaribe." Na semana seguinte em Caruaru, comprou um gibão de couro que de imediato vestiu todo garboso, na certa se imaginando um cabra de Lampião.

Certa vez me disse: Não foi à-toa que eu quase me matei estudando esse maldito idioma de vocês. Comigo, apesar de ter sido contratado como intérpetre, você somente fala em português, entendido? E assim foi. Falava em inglês com os outros dois engenheiros e em português com ele.

A escola:

Havia alunos de todos os sete lados do mundo. Claro que fiquei meio encafifado com o convite. Iriam me chamar assim, sem mais nem menos, pelos meus belos olhos? Como chegaram até o meu nome?

De inquirição em inquirição descobri que tudo havia sido por conta e risco do empenho de vários amigos, meu ex chefe no escritório do US Army à frente. Me dariam alojamento, pensão completa no Campus, carro com gasolina, US$ 2,000.00 livres e mais um contrato de dois anos.

Mas ensinar inglês para americanos? Qual nada, alegaram que a minha experiência de muitos anos no ensino da lingua inglesa seria valiosíssima para eles e para a didática pela qual lecionavam. Ademais, o que de menos havia na escola eram alunos americanos.

Havia porém um senão:

Tudo muito bom para ser verdade mas não existia verba específica para o custeio das passagens. Eu teria que arcar com as despesas de ida e da volta, evidentemente. Além do mais eu teria que ir só. Sem família. Ao fim do primeiro ano do contrato se porventura fosse do meu desejo levar mulher e filhos, teria todas as facilidades possíveis.

E assim comecei então a amealhar dinheiro, colocar em poupança, num programa desvairado de economia e mais poupança. Redobrei o esforço em lecionar para empresas.

Ia seguindo essa rotina meio louca quando um perigoso desvio apareceu na curva da estrada. Foi como um acidente. Quase fatal. Algo me chamara a atenção, senti coisa nova no ar. Perspectiva de um bom e rentável negócio. Foi uma atração tão forte que parecia me ter cegado momentaneamente. Por que sair do país agora? Decidi, pagar para ver e terminei por cair no mesmo engodo que o jovem mancebo Pedro de Alcântara, Rafael Miguel Gonzaga. Tive o meu Dia do Fico. Permaneci no país, acreditando que Pindorama havia entrado definitivamente no primeiro mundo. Tornar-me o feliz proprietário de uma Agência dos Correios era tudo o que eu almejava. Ledo engano. Como aquele outro malucoide da pátria eu tinha apenas uma bala na agulha. Errei no tiro e em consequência do ato impensado fiquei por aqui literalmente a ver navios. A lutar de forma quixotesca contra os moinhos de vento que se me apresentavam. Sem dinheiro, sem lenço e sem documentos. Em verdade vos digo:

Se arrependimento matasse...

Só muito mais tarde é que dei fé da absoluta mancada perpetrada. Até hoje me ressinto de nunca ter chegado a conhecer a famosa Escola de Línguas do Presidio de Monterey, em terras da California. Nunca pude comprovar o que poderia ter sido uma bela experiência a acrescentar à minha trajetória de vida. Jamais pude vivenciar o que eu poderia ter feito e terminei por não fazer. Não culpo ninguém evidentemente. Escolhi ficar. Eu, apesar de vastíssimas opiniões em contrário, para citar o poeta, "tenho um acendrado amor à terra natal," a certeza mais absoluta de que não conseguiria viver fora desse nordeste incruado. Se por aqui fiquei foi por exclusiva vontade própria. Não foi também nenhuma patriotada. Coisas do coração mesmo. Tenho a mais nítida convicção de que o único culpado, se é que existe algum, nessa historiada toda fui eu mesmo. Também, quem manda...

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quarta-feira, setembro 12, 2007

VAMOS AJUDAR A MARIANA

Meus caros
Recebi de ex aluna muito querida a mensagem abaixo. Vamos ajudar. Leiam a nota e decidam.
Meu abraço a todos. Hugo

From: "Mariana Timoteo de Oliveira"
To: marianatimoteo@yahoo.com.br, marianaoliveira2@hotmail.com,
romilson@terasystem.com.br, veratimoteo@terasystem.com.br
Subject: Criação de biblioteca em comunidade carente
Date: Tue, 10 Jul 2007 15:49:48 -0300

Amigos, estou engajada na criação de uma biblioteca na comunidade da Beira da Linha (em Boa Viagem) e gostaria, primeiramente, da atenção de vocês. Essa comunidade é muito pobre e sem recursos. A única escola que lá existe não foi registrada (ainda) no Estado e, por isso, não recebe nenhum incentivo do Governo. Ela é mantida com a contribuição dos próprios moradores que, como podem, pagam o salário da professora - um pai/mãe doa R$ 1,00 por mês, o outro doa R$ 3,00... e assim se paga o salário. Eles não têm biblioteca nem quadra de esportes... nada. Mas, têm muita força de vontade esperança de uma vida melhor. Estou organizando junto com papai e o pessoal da igreja uma biblioteca para esses meninos e meninas carentes. Gostaria da contribuição de vocês. Doem livros, revistas, jornais, paradidáticos, material escolar, mesa, cadeira, estante, enfim, o que vocês puderem ajudar será muito bem vindo. Conto com a solidariedade de todos.

Mariana Timóteo

PS: Por favor, liguem ou mandem um email para que possa pegar a doação na casa de vocês.

segunda-feira, setembro 10, 2007

RECUERDO 24 - TEMPOS DE FRANQUEADO


HUGO CALDAS

Corria o ano da graça de 1992. Fernando Collor ainda na presidência. Passara apenas o curto período de alguns meses desde a bravata "uma só bala para matar o tigre da inflação". Eram tempos de muita tensão. Cada um que cuidasse de seu próprio interesse e qualquer idéia que se mostrasse pelo menos honesta, seria testada. Mas o que aconteceu, ainda hoje nos faz ranger os dentes. Terminaram por levar o nosso rico e sofrido dinheirinho. Me ví, de uma hora para outra equiparado a Antonio Ermirio de Morais. Apenas 50 cruzados no banco. Lembram?

Um pouco antes desses infelizes acontecidos, já há algum tempo atrás havia tomado conhecimento que o governo federal iria abrir a ECT para quem se despuzesse a gerenciar uma franquia/agência e evidentemente pagasse por ela. Achei a ideia de primeiro mundo. Sabia, por exemplo que na Inglaterra, toda e qualquer papelaria era uma pequena agência dos correios. Na luta do dia a dia, no trabalho árduo para garantir o leite das crianças, o fato terminou por cair no esquecimento. Eis que, em uma das minhas turmas, encontro por acaso, uma funcionária dos Correios. Lembrei-me das franquias e perguntei se o programa havia prosperado.

- Claro que sim, disse-me ela, as franquias estavam para se iniciar a qualquer hora. Por que eu não tentava uma inscrição? Ainda daria tempo.

Naquela noite não dormi direito pesando os prós e os contras. Estava amealhando todo e qualquer centavo para uma possível viagem à California. No dia seguinte marchei decidido para o edificio sede dos Correios e fiz a minha inscrição. Mais uma vez acreditei no país. Mais uma vez me dei mal. Não sabia o que me esperava no futuro. A minha proposição terminou sendo aceita. Fui aquinhoado com a Agência Franqueada do bairro dos Aflitos. Mais tarde, inimagináveis acontecimentos dentro e fora do âmbito da ECT me vieram provar o desacerto da minha decisão.

Se arrependimento matasse...

Para começo de conversa fui descobrindo, entre ansioso e agastado que havia muito chefe pra pouco índio. Havia pessoas na empresa que simplesmente adoravam tirar uma lasquinha da inexperiência dos novos franqueados, praticamente nos fazendo de bobos. Algum chefete nos visitava e dava uma ordem sobre uma tolice qualquer, como a colocação de um cartaz, por exemplo. No afã de fazer tudo certo, acatávamos toda e qualquer ordem, sugestão, o que fosse. Dia seguinte aparecia um outro bambambã para contestar, trocar o aviso novamente de lugar. Ficávamos nesse jogo de empurra. Com poucas e honrosas exceções a maioria desse pessoal parecia não se conformar em perder o poder e principalmente, uma receita bastante apreciável. Daí a necessidade de tornar a nossa vida um verdadeiro inferno. Esse tipo de reação geralmente vinha de quem ainda usava o expediente do "paletó na cadeira" acostumados que estavam ao bem-bom de anos e anos sem ninguém a perturbá-los. O fato é que esse pessoal usava de toda e qualquer artimanha para que déssemos com os burros n'água. O fato é, também, que a ECT é como um microcosmo desse malsinado universo brasileiro. Havia muita gente querendo ver a sua caveira com um grilo cantando dentro. Mas havia também muita gente boa, honesta e trabalhadora.

Um caso em particular, acontecido com a minha agência, ilustra muito bem esse período e essa atmosfera reinantes. Havia uns seis meses reinvidicava o envio de um mero quadro de avisos - horário limite de postagens e coisas afins - para colocar no atendimento. A resposta era sempre - "não há disponibilidade do material requisitado". O tempo passou. Mudou a Direção Regional. O novo Diretor veio a ser um conterrâneo velho de guerra, dono de uma longa, honesta e proveitosa folha de serviços prestados aos Correios. Corri a fazer-lhe uma visita de cortesia e ao final, ele gentil como sempre, veio me levar até o corredor com a mão no meu ombro. Quando o elevador chegou e a porta se abriu, sai ninguém menos que o tal chefete, o mesmo que havia meses nos negava um mísero quadro de avisos. Nos cumprimentamos ligeiramente. Fui ao banco resolver algo, e não demorei mais do que 30 minutos. Ao voltar à agencia oh, que bela surpresa! Havia um lindo quadro de avisos afixado (pelo próprio chefete) à parede. Dá pra perceber, não?

O princípio do fim:

Na implantação da agência gastei o dinheiro que tinha e o que não tinha. Enfrentei problemas condominiais - no princípio estávamos instalados numa pequena galeria. Os outros condôminos não aceitavam a loja dos Correios como uma loja "Ancora". Àquela que poderia atrair outros clientes para os demais estabelecimentos. Implicavam, por exemplo, com a nossa placa.

Tive que sair da galeria e construir uma loja ao lado. Juntamos forças, eu e a minha mulher que à época, na casa visinha, também lutava para manter uma pequena escola de inglês para crianças e tentamos segurar o pião na unha. Foi quando começamos a receber desditosas visitas de alguns "sócios" indesejáveis. Já não bastavam os impostos escorchantes (jurei que um dia ainda iria usar essa palavra) que os casacudos e venais (salve, Daniel) desse país nos impunham? Referidos e indesejáveis sócios eram assaltantes de verdade. Sem as casacas de Brasília. Num período de dois anos e meio fomos assaltados nove vezes. Como consegui sair vivo à visão do meu filho agarrado pelo pescoço por um individuo que simultâneamente apontava um revólver ora para a sua cabeça, ora para minha cara estupefata!

Da parte dos Correios nenhum refresco. Se o assalto aconteceu no dia 13 ou 14, por exemplo, a prestação de contas do dia 15 teria que ser integral. O dinheiro roubado tinha que ser pago de uma maneira ou de outra. Tivemos a contragosto que recorrer ao banco. E aí foi a nossa ruína. Quando se estava chegando à liquidação final do empréstimo, outro assalto nos tirava novamente o fôlego e os Correios nos pisava na goela. Ninguém a quem apelar. Entre nós franqueados, existia uma grande estranheza: A maioria das agências assaltadas eram franquias. Dava para pensar que "algo de podre estaria acontecendo no reino da Dinamarca..."

Vocês devem estar lembrados que o "Mensalão" foi desencadeado à partir de um alto funcionário ECT recebendo uma propina de três mil - a TV mostrou o capadócio embolsando a grana. Ou terá sido alucinação coletiva?!

A gota dágua:

Pois bem. Passado o perigo, chega-me dia seguinte ao assalto descrito acima, um funcionário da Gerência de Auditoria e começa a interrogar todos os meus empregados. Queria saber se eles não haviam sido instruidos pelo gerente (eu) para simular, forjar um assalto. E tudo isso na minha frente. Perdi as estribeiras. Coloquei o infeliz porta afora.

Alguns anos depois desse despropositado incidente encontro casualmente o tal gerente auditor em frente ao prédio dos Correios. Soubera que ele fora pego com a boca na botija, na prosaica atividade de super faturar compras, notadamente peças automotivas para uso nas kombis de coleta/entrega. Foi demitido por justa causa. Perdeu 28 anos de trabalho. Toda uma vida. Minha mãe sempre dizia: "Quem disso cuida, disso usa"!

Veio me cumprimentar todo frajola, como se nada houvesse acontecido. Não refresquei também e disse-lhe na cara:

- "Olha aqui, se naquela época você vivia perturbando Deus e todo mundo na busca de possíveis ladrões entre os franqueados... se o que você queria era pegar algum ladrão, nem precisava tanto esforço. Bastaria se olhar no espelho."

Ele engoliu no seco. Nunca mais o ví. Soube que morreu em um acidente de automóvel.

Ainda hoje, passados tantos anos, não sei ao certo, talvez por força de algum bloqueio, como alguns desses episódios realmente aconteceram. O certo é que fui forçado a vender a minha agência por qualquer dez tostões. Saí doente e endividado. Tudo por ter acreditado "neste país." Será que as coisas melhoraram desde então? Duvido muito!

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