terça-feira, janeiro 22, 2008

Neste verão o sol abunda.


Hugo Caldas

Lá vem chegando o verão, cantou o poeta. Tempo de sol, de sal, de saúde, de gente bonita ornamentando as praias. Lá vem chegando também: Pivete, rato de praia, cheira-cola, trombadinha, assalto, arrastão, coliformes fecais, mendigo profissional, alta desenfreada e criminosa nos preços do sorvete nosso de cada dia, da água de coco, frutas e cervejas, poluição sonora, trio elétrico bradejando aos quatro ventos a abominável música baiana, carro de som de político ladrão, epa, tubarão comendo surfista, turista alemão comendo...
Um deslumbramento para a mais pura babaquice tupiniquim. E o calor do bute? De derreter os untos, de ananases, como diria o personagem do Eça de Queiroz.

Cheguei à Mauricéia desvairada em abril de 1959 e até hoje não acostumei com a canícula. Oh, terrinha quente e cheia de muriçocas. Aliás, essas pestes de muriçocas me perseguem. Senti na pele essas abomináveis criaturas em Caracas (pré-Chavez) onde são conhecidas como "sancudos." Outra vez, em Los Angels me deparei com uma monstruosidade, parrudão mosquito de primeiro mundo no hotel. Um horror! Aqui, moro na praia, mas não vejo nem sinal de mar. Muito menos ouço o barulho do mar. Não sinto o cheiro do mar. Ao contrário, sinto cheiro de óleo diesel. O mesmo cheiro que senti quando por aqui cheguei pela primeira vez. Ficou na minha memória olfativa. É, as cidades têm cheiro. O de Salvador é acre, entrando pelas ventas. Xixi puro. O centro do Recife não fica atrás. Com esse calor então, torna-se absolutamente inviável tentar viver por aqui. Não existe dinheiro para limpar as ruas, para cuidar da urbe. Melhor brindar Escola de Samba do Rio de Janeiro com 3 milhões de Reais do Erário Municipal. Hoje mesmo, vi na TV, 3 funcionárias públicas, provavelmente da prefeitura, felizes da vida porque "iam realizar o sonho das suas vidas," ou seja desfilar em plena Sapucaí, na Estação Primeira de Mangueira, devidamente paga para exaltar os 100 anos do Frevo. A realização deste "sonho" nos custou 1 milhão por cabeça.

As pessoas parecem se acostumar com todo esse descaso. Julgo que ninguém liga mais pra nada. Tudo muito sujo. Todos acham muito normal e tudo se configura em motivo para um sorrisinho meio maroto, sardônico. Não, não é sorriso amarelo de desapontamento. Talvez um tique nervoso. Cuido que todo mundo aceite como normal, a imundície.

Sujeira, porém de outra natureza, é quando os preços continuam a subir. Mormente no inicio do ano. Sempre a mesma ladainha. A compra do material escolar para os filhos. Entressafra e queijandos. Os debiloides se contorcem em incríveis acrobacias para cumprir com os compromissos assumidos na euforia das festas de fim de ano seduzidos que foram pelo marketing criminoso de uma mídia deletéria e seus apelos mirabolantes. Compre, compre, compre! Eu acho é pouco!

É no verão, nesse começo de ano, quando mal atravessamos as festas que já emendamos no carnaval. Em pleno janeiro tudo leva a crer que o carnaval deste ano será como sempre, muito superior ao do ano que passou. E tome comercial na TV, e tome samba enredo, mais parecem um caminhão cheio de japoneses, tudo igual epa, olha o politicamente incorreto aí, gente!

Com todo esse papo de verão forçoso será reconhecer que o clima da terra mudou e muito. Para pior. Os guardas de trânsito do Recife na década de 50, encarapitados numa espécie de guarita no meio da rua, envergavam fardamento cáqui composto de dólmã abotoado ou gravata. Os propagandistas de laboratório além de carregar uma bolsa pesadíssima, vestiam terno de tropical, com gravata. O calor não era essa maluquice de hoje. Na Avenida Guararapes ficava o Bar Savoy, reduto do melhor e mais honesto chope das redondezas. Recanto boêmio, abrigava a mais fina flor da intelectualidade da época. Era lá que matávamos a nossa sede. De chope gelado e de cultura. É lá que ainda hoje se encontra, espero, a placa com trecho de um poema de Carlos Pena Filho:

"Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chope,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.”

O Recife era mesmo risonho e franco. Outros tempos, outras circunstâncias. Hoje, uma bela cidade maltratada. Os antigos casarões da Rua da Aurora lembram em sua arquitetura, São Petersburgo antiga capital da Rússia, que a comunistada teima em chamar de Leninegrado. Sem dúvida, novos tempos.

hucaldas@gmail.com
hugocaldas.blogspot.com

5 comentários:

Unknown disse...

Você fala na sua crônica - muito boa, como sempre - do cheiro das cidades. É verdade, cada cidade tem seu cheiro e tive, como você, a mesma impressão de Recife, quando aí estive pela primeira vez: o cheiro de óleo diesel. O Rio cheira a frutas, pela quantidade de lojas de sucos espalhadas pela cidade, sem falar nos frutas; Nova Iorque cheira a manteiga, talvez pela quantidade de fast-food; São Paulo tem odor de lama, Brasília de capim seco,João Pessoa cheira a jambo. E vai por aí.
Abraços,
Almir

Unknown disse...

Sr° Hugo, eu e uma amiga lemos o seu blog juntas e achamos muito interessante como você descreveu a degradação de nosso país, a maneira como escreveu foi de pura verdade o que acontece hoje.

:D

Anônimo disse...

Quando eu era menina o carnaval era o evento maior, mais bonito e cheio de alegria. Fantasiada ia ver o corso com o mais belo sorriso de batom vermelho no rosto e bisnaga cheia de agua na mão. As marchinhas encantavam pela beleza e inocência de suas letras. Uma pena que hoje na nossa cidade se imite o carnaval dos outros. Primeiro os trios elétricos baianos, depois o frevo deu lugar ao samba das escolas do Rio que de tão cariocas nada tem a ver com a nossa pernambucanidade tão bem representada por Jommard. Ainda tem o Galo que não é mais de madrugada, mesmo levando tanta gente as ruas,o medo da violência que assombra os foliões os leva a assistir do alto dos camarotes. Será que tem graça?

Anônimo disse...

Hugão, gostei da crônica, com a qual concordo em tudo. Mutatis mutandis, é o que sinto em relação ao Rio, cidade onde moro há exatos quarenta anos e meio. Fiquei com inveja do olfato do nosso Japi, que sente cheiro de frutas no Rio. Existe aqui, há décadas, um abominável fedor de esgoto em dois lugares - na Av. Atlântica, posto 5, e no Pasmado. Ninguém soube nunca explicar a origem, e parece que ninguém também esquenta muito com isso. Também o fedor de urina toma conta da cidade, sobretudo nos lugares em que nosso "Prefeito" organiza festas milionárias para enganar a massa ignara - shows com bandas estrangeiras, ou com artistas queridos do rei. Há também as intermináveis passeatas - a Gay, a contra a violência, a dos demitidos, dos bingos etc. - que deixam um rastro de urina. O carioca passou a urinar na rua com a mesma tranqüilidade com que fazia em casa. E não são somente os pobres. Nem é somente à noite.
Morei alguns anos na Urca, bairro tido como da elite privilegiada. Ali, sobretudo no verão, há fedores para todos os gostos. São talvez as praias mais sujas do mundo. Há alguns anos, os moradores mergulhavam no quadrado, ou na enseada, e dali tiravam pneus, poltronas, penicos e tudo o mais que se joga nessa grande lixeira a céu aberto, que é o mar. Hoje, ninguém de bom senso se arrisca a mergulhar ali. Antes, era comum ver-se pessoas praticando esqui aquático a partir do Iate Clube. Mas hoje, ninguém é doido de arriscar-se a uma hepatite ou uma doença de pele. Um dia vi - ninguém me contou - um morador de uma daquelas belas casas da João Luís Alves, à beira-mar, sair com dois pacotes de lixo nas mãos e jogá-los com a maior tranqüilidade no mar. Essa é a nossa "elite" - certamente a mais escrota e de mais baixo nível em todo o mundo.
Mas a glória da imundície generalizada é o revelhão em Copacabana. Além de excrementos e garrafas e latas, há lixo humano - gente que veio dos confins do mundo, toma um grande porre e fica estendida pelas calçadas, num espetáculo que lembra o apocalipse.
Devo dizer ainda, a bem da verdade, que a Comlurb é o exemplo definitivo de uma empresa competente e trabalhadora. Essa o nosso César (cada povo tem o César que merece?) não conseguiu ainda destruir. Não fosse ela, com seus formidáveis garis, e a cidade já teria sumido soterrada pelo lixo. É uma pena.Carlos

djanirasilva disse...

Oi, Hugo, como sempre nos presenteando com suas crônicas saborosas e inteligentes. Concordo com o comentário de Carlos quanto aos cheiros do Rio de Janeiro. Minha maior decepção foi conhecer Copacabana de calçadas imundas, esgotos, fétidos, lixo jogado por toda parte.Ao atravessar para Nitéroi fiquei com o olfato impregnado de um cheiro acre de peixe, de sardinha passada e repassada, que me ficou na lembrança até hoje. Na verdade os cheios das cidades revelam a educação de seu povo. Aqui mesmo, não precisa ir muito longe, há ruas no Espinheiro empestilhadas com o cheiro fétido que sai das bocas de lobo.
Bom, deixemos pra lá o que tem de ruim neste nosso mundo. Pessoas da nossa geração vão se tornar a memória dos tempos. Daqui a pouco já não haverá quem lembre das boas coisas que tivemos no passado. Então, crônicas como as suas e de tantos outros cronistas argutos e atentos, contarão uma história que talvez não seja a do Brasil será, no entanto, a da felicidade que o tempo levou. Um grande abraço Djanira