terça-feira, janeiro 22, 2008

Palavra puxa palavra...


Anco Márcio de Miranda Tavares

Eu nem me lembro em que dia da semana nasci. Se foi na segunda ou no sábado. Se foi numa segunda tanto melhor. No sábado meus pais geralmente iam pra feira e não poderiam ficar em casa me esperando. Me lembro que quando nasci, chovia. Uma chuva fina dessas que a gente sabe que vai acabar logo, estiar cedo.

Me lembro de eu, menino, no Grupo Escolar de Ingá do Bacamarte com uma professora que tinha régua e compasso. A régua ela usava pra dar lapadas na gente quando dizíamos errada a lição: "Frederico era um bom menino, mas um tanto preguiçoso. Um dia resolveu olhar as formigas e então".

Dessa narrativa besta vinha a história de Frederico, que era lida por todos nós os meninos com os Es abertos, assim : FrÉdÉrico, um som horrível quando lido pela turma toda. Só me lembro bem que o menino ficava bom aprendendo com as formigas que devia sempre fazer seus deveres e estudar.

Depois me lembro de mim ainda menino, mas já maior, aluno de Dona Amélia, na Escola de Aplicação, tirando um três na primeira nota e prometendo a mim mesmo me recuperar e tanto estudei, tanto estudei que no final do ano tirei primeiro lugar e me deram um dominó feio como recompensa.

Corte. Depois lembro de mim no Bar de Rufino, no meu Jaguaribe, tomando de vez em quando uma lapadinha de cana que eu tinha comprado pra tomar com o meu amigo Bolero, de quem se dizia que fumava maconha e outras coisas mais. Na minha frente mesmo, Bolero nunca fez essas coisas.

Depois comecei a ouvir vozes, mas notei que eram as vozes de pesssoas que moravam lá em casa, mas que na minha ressaca pareciam vozes estranhas, vozes vindas de cavernas ou bat cavernas, vozes que apareciam somente pre me perturbar, mas isso passou logo.

Depois as salas de aula chatas com os professores me mandando calcular senos e cosenos, logarítimos, valor de X, equação e inequação... Depois as meigas namoradas da porta da Igreja, beijos roubados, beijos doados, bejos molhados, mas sempre beijos, sempre dados com afeto.

As viagens, as longas viagens de Maria Fumaça de Ingá até aqui, com a gente respirando aquele fumaça oleosa e mato passando pela janela, as casas passando pelas janelas , as vacas pastando ao longe, mais parecendo vaquinhas de brinquedo, o tempo correndo a vida indo embora devagar pela janela do trem.

Meu pai muito doente, minha mãe aperreada, minha avó aperreada a casa toda aperreada, o chefe doente e a gente tendo de viver num aperto de fazer gosto... É como eu disse, palavra puxa palavra, puxa palavra e gente vai em frente dedilhando esse velho violão da vida...

2 comentários:

Anônimo disse...

Anco, meu caro

Uma das mais belas passagens perpetradas por vosmicê é essa:

"As viagens, as longas viagens de Maria Fumaça de Ingá até aqui, com a gente respirando aquele fumaça oleosa e mato passando pela janela, as casas passando pelas janelas , as vacas pastando ao longe, mais parecendo vaquinhas de brinquedo, o tempo correndo a vida indo embora devagar pela janela do trem."

Obrigado. Hugo

Anônimo disse...

Anco, quanto tempo, ao mausear meu PC sentí de repente uma maior luminosidade no seu visor, como um faiscar de uma grande estrêla, era você, eram suas palavras que como sempre sábias.Transcrevo-as agora para o portal do Ingá, terra que com muito orgulho tem voce como parte de sua historia. Abraço
walter mario gois da luz
www.portalitacoatiaras.com.br