terça-feira, fevereiro 19, 2008

SAUDADE e AUSÊNCIA x TEMPO e DISTÂNCIA


Katia Dias

O relógio já marcava dezenove horas, e lá estava eu sorvendo suco e devorando enroladinhos na lanchonete do aeroporto. Novamente consultei o relógio, fiz meus cálculos, vi que estavam perfeitos. Dispunha de alguns momentos para uma passadinha na toalete, uma escovadinha nos dentes e um retoque na maquiagem.
Finalmente chegara o horário confirmado dos vôos.

Enquanto dava mais uma olhada na tela da sala dois de desembarque, pensava nos efeitos que a saudade e a ausência das pessoas queridas provocam em nossas vidas. Pensava como a saudade pode ser doída e como a expectativa da volta pode iluminar nossas almas. Em situações dessa natureza, o calendário é um medidor mal aferido, pois cada dia de ausência parece corresponder a dois ou três de espera. E se há “algo” interessante, então... o tempo desaba. Quase chego a pegar o telefone para ligar, mas meus queridos amigos não estão aqui.

Era de se aceitar, em tempos de apagão aéreo, ser natural o atraso. Mas o vôo já está com mais de uma hora além do previsto e o pouso nem ao menos foi anunciado. Entre apertados abraços e carrinhos sendo empurrados, algumas pessoas se interpõem entre mim e a tela. Estica daqui, entorta dali, finalmente meus olhos conseguem avistar o que ansiosamente procuravam. Entretanto, constato, desolada, nada de confirmação do pouso. Então continuo meus devaneios.

Penso em como é curiosa a medição das distâncias. Embora meus amigos estivessem há algum tempo do outro lado do mundo, muitas vezes senti-os perto. No caso de minha amiga, é claro, sua presença é mais marcante, pois mesmo considerando a grande distância, controla tudo: “você viu como ficará a festa das crianças?”; “e o amigo secreto, está tudo certo?”; “compraram tudo o que precisava?”; “e a Maria, está melhor?”; “têm cuidado bem dela?”.

Nessa hora, quem me olhava imaginava que eu era louca, pois sorria sozinha. De fato, é muito engraçado como até de longe pessoas queridas acabam por encher nossas vidas. Nem que seja de atividades, pensei, sorrindo novamente. Finalmente, após duas horas de atraso, o avião pousou.

Agora o sol ilumina minha alma ansiosa de amiga que espera. A distância, mesmo que relativa, acabou. Finalmente vamos conversar, contar as novidades, marcar eventos, atividades, juntas estaremos novamente. Falta pouco para nos abraçar, só a fila da Receita Federal.

Enquanto isso, meu pensamento voa. Admiro-me de como os sentimentos aumentam ou diminuem as distâncias. Lembrei-me do meu amigo do Recife, que, embora afastado a tantos e tantos quilômetros, está sempre tão perto, tão assíduo com suas adoráveis surpresas, periodicamente enviando-me livros com doces cartas e dedicatórias, sempre ressaltando o sentimento nobre da amizade. Sorri novamente.

Como podem o espaço e o tempo ser tão relativos? Tão longe e tão perto, em contraposição ao ditado "tão perto, porém tão distante", o que reforça a relatividade da distância e do tempo.

Enquanto eu sonhava acordada, pensando em meus amigos e na relatividade do tempo e da distância, eis que finalmente explode a festa em meu coração: abrem-se as portas do desembarque e olhos excitados procuram um rosto querido após tanto tempo e tanta distância. Finalmente nos encontramos. Agora somente abraços, sorrisos, lágrimas de felicidade. A grande amiga está de volta. Mais uma vez lembrei-me de meu amigo do Recife, e com toda a emoção acumulada pensei: só falta eliminar a distância. Vou cuidar disso. Farei uma visita a ele...

Recebi do amigo Luiz Gonzaga Lopes, escritor e poeta dos melhores o bilhete abaixo. Será preciso acrescentar mais alguma coisa? Lula sabe das coisas.

Oi, Hugão,
Num vôo de Paris a Lisboa, Sílvia e eu conhecemos no avião uma moça de São Paulo, muito simpática, muito interessante. Durante todo o tempo conversamos muito sobre diversos assuntos, especialmente Literatura. Ela gosta de escrever, enviou-me um conto que achei bastante razoável. Lembrei-me que poderia ser matéria para o já internacional Blog do Hugão. Pelo sim e pelo não, estou fazendo-o chegar a você, com a melhor de minhas boas intenções. Abraços de sincera amizade.
Lula.

Um comentário:

djanirasilva disse...

Gostei muito desta crônica de Katia Dias. Uma crônica bem estruturada que mostra a leveza e a elasticidade do pensamento e a facilidade com que ocupamos ao mesmo tempo os vários espaços das lembranças.
Parabéns, Hugo, por mais esta matéria Djanira