domingo, maio 04, 2008

Queridos Amigos



Hugo Caldas


Antes de qualquer coisa, Data Maxima Venia Senhora Dona Maria Adelaide Amaral, por descaradamente usurpar o título da vossa interessantíssima minissérie. Belo trabalho que prende a atenção de todos. Quem não viveu a época? Quem não passou por aquilo tudo? Quem não teve também os seus queridos amigos e com eles se reunia para, em noitadas memoráveis, encher a cara de chope, meter o pau na ditadura e voltar para casa puxando fogo, certos de que o governo cairia no dia seguinte? Quem não se viu retratado ali? Ah, quem não sofreu, teve amigo ou parente que passou por algo parecido? A nossa realidade era aquela mesma. Ou muito semelhante. Aqueles não foram anos de cólera, foram anos de uma lepra que se alastrava e corroía este sofrido país de norte a sul. Pelo pouco que conseguí assistir da minissérie, devido à inconveniência do horário - o velho dormia à sono solto - me emocionaram principalmente as cenas reais do retorno dos exilados, mixadas com cenas feitas agora. Eu estava ali. No dia da volta de Prestes, Gregório Bezerra, Miguel Arrais e mais uma porção de gente que havia sumido no rabo de um foguete. Já relatei o episódio no Recuerdo de número 12.

Queridos Amigos, passamos por tudo aquilo juntos. Hoje infelizmente, estamos dispersos. Somente nos encontramos em eventos absolutamente especiais, como enterros, batizados, aniversários de antigos companheiros, hoje, muito bem comportados, diga-se de passagem. Quando os reencontro, o "Sinal Fechado", de Paulinho da Viola fica a martelar a cabeça. Não nos vemos com a mesma freqüência. Nos dispersamos, a despeito de tudo. A despeito do pedido do Dr. Tancredo Neves logo após a derrota da emenda das "Diretas Já". O país hoje está, pobre coitado, caminhando no perigoso terreno da galhofa, tudo muito surreal. De alto a baixo. Eu é que continuo o mesmo. O mesmo ingênuo, o mesmo naïf ou seja lá o que queiram entender sobre a minha modestíssima pessoa.

Queridos Amigos, se estávamos juntos durante os anos de chumbo vamos concordar que não poderia ter sido de outra maneira. Odiávamos aquele estado de coisas. Toda aquela exceção. Todo aquele arbítrio, as liberdades indo pelo ralo.

Mal comparando...

Queridos Amigos, lembram o Timoneiro Mao e o General Chiang-Kay Sheck? Pois é, viviam se engalfinhando nos anos 30, até que um inimigo comum muito mais poderoso, fez com que os antagonistas, inimigos figadais, juntassem forças, lutassem contra o japonês invasor e o expulsasse. Ato contínuo voltaram a se guerrear. Para mim, que nunca entendí muito bem dessa tal de dialética era esse o pensamento, era essa a idéia. A de juntar forças, naturalmente. O que não quer dizer em absoluto que eu chegasse a rezar pela mesma cartilha. O meu pai sempre dizia que nunca a esquerda iria ser implantada no país. Não pela via da revolução, pois se a revolta caísse num fim de semana ou no carnaval ninguém iria. O meu pai tinha razão. A esquerda chegou ao poder pela via democrática. Deu no que deu!

Queridos Amigos, a Alemanha, que eu saiba, pagou à Israel pelos seis milhões de judeus mortos na Segunda Guerra Mundial, 5 bilhões de dólares. Aqui em Pindorama, a farra com o dinheiro público já pagou quase 2 bilhões de dólares, para as "vítimas e os heróis da resistência". Dinheiro, que se sabe, desviado da saúde, da educação, do saneamento básico, da segurança pública. Enquanto isso haja violência, haja dengue. Milhares de pessoas, esperando a morte, que pode ocorrer por falta dos medicamentos mais simples, até esparadrapo e mercurocromo, para não falar em falta de radioterapia. Enquanto isso os corruptos de hoje e sempre, roubam o dinheiro que é meu, seu, nosso, etc.

Queridos Amigos, coisas muito estranhas começaram a acontecer e custo a crer que aqueles que lutaram à época, estariam agora esperando a ocasião propícia para "se arrumar". Investimento nas horas más para colher frutos nada saudáveis no futuro? Será possível mesmo? Não, não quero acreditar nisso. Mas infelizmente as evidências estão aí para qualquer um constatar. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça ignora qualquer crítica à forma utilizada de conceder indenizações a supostos prejudicados pela repressão da ditadura, e volta a distribuir o dinheiro do contribuinte. Ninguém diz nada? Parece que o país está anestesiado, somos o país da mentira. Estamos no melhor dos mundos, é isso?

Queridos Amigos, o Ziraldo e o Jaguar foram brindados cada um com UM MILHÃO DE REAIS além de uma conveniente aposentadoria mensal de cerca de OITO MIL REAIS.Tudo por danos causados pela Redentora. Eles nunca sofreram nada mais contundente do que "uma famosa gripe" que assolou a redação do "O Pasquim". Ao ser perguntado se teria sido torturado na prisão o Paulo Francis declarou afirmativamente:

"O carcereiro ouvia Wanderleia o dia inteiro com o radio nas alturas".
O episódio bem demonstra como ele e o grupo levaram à sério a tão alegada prisão. Aliás, o que diria hoje o famoso "Lobo Hidrófobo" se vivo fosse? Existe ainda uma récua de outros "injustiçados" que estão dando entrada na Comissão de Justiça para o recebimento de suas sinecuras institucionalizadas.

Queridos Amigos, eu também fui preso, está relatado no Recuerdo 7, de 11 da manhã de um dia até 3 horas da madrugada do dia seguinte. Isolado. Confundido com um perigoso terrorista argentino - epa - a família sem saber de nada pois me foi proibido usar o telefone. No trabalho ninguém tinha a menor idéia do que acontecia comigo. Me comportei, apesar do arbítrio, condignamente. Acho que foi aí que eu errei. Durante o interrogatório paranóico, onde só o fulano lá berrava, eu bem que deveria ter pelo menos dado um pontapé nas canelas do general. Se não tivessem desaparecido comigo eu teria ficado um bom tempo em cana o que me daria evidentemente o direito de hoje pleitear a minha Bolsa Ditadura para muito espertamente receber o meu.

Queridos Amigos, no mais é repetir o Barão de Itararé... ou terá sido o Stanislaw Ponte Preta?....

"Ou todos nos locupletamos ou restaure-se a moralidade"

hucaldas@gmail.com

3 comentários:

Anônimo disse...

Hugão
A frase é do Lalau, mas bem podia ser do formidável Barão, pois ambos, além de donos do mais fino humor, eram figuras limpas, de ótimo caráter, e que jamais se agarrariam a sinecuras e imoralidades como essa "aposentadoria" do Ziraldo e do Jaguar, dois velhos que perderam o respeito próprio, e nem ao menos respeitaram a imagem que tínhamos deles. Perderam a graça e a vergonha! Palmas para o velho Millor, figura impoluta, que sempre sofreu perseguições dos conservadores, desde os tempos do O Cruzeiro, mas nunca ficou choramingando e buscando vantagens escusas. Viva o Gabeira, que foi preso, barbaramente torturado, exilado, e nunca aceitou essa picaretagem. O que temos a fazer é simplesmente ignorar essas duas figuras lamentáveis, aliás já decadentes há muito tempo. Infelizmente ainda tem muita gente pra passar por baixo do arco-íris, num país em que se perdeu a vergonha e o pudor. Deviam aprender ética com os travestis do affaire Ronaldinho, que voltaram atrás (epa!) e confessaram que estavam armando pra cima do bobalhão. Que país esse, em que os travecas dão lição de moral nos humoristas!
Carlos

Babu disse...

O que me deixa mais encantado é que, todas essas verdades e casos, eu escuto direto do escritor quando vou ai, na casa do Sr Hugão.

E pode ficar certo de que gosto muito.

Abraço sr. Caldas e ate mais tarde quem sabe.

Anônimo disse...

Amigo Hugo:
Concordo inteiramente com o triste painel que você apresenta em seu texto, bem como com as inteligentes glosas que mereceu, embora com posturas diferentes. Minha participação é apenas quanto à reação que o sombrio quadro deve nos provocar. Rejeito, até por filosofia de vida, a atitude negativista, pessimista, nihilista, desesperançada de tantos da nossa geração, e até mais novos. A razão é muito simples: ela não motiva qualquer ação política, ou cívica, conseqüente. E a inatividade só faz aumentar o amargor.
Na minha juventude, sonhei com uma sociedade alternativa mais justa e igualitária, e sofri represálias por perseguir esse sonho. A História nos mostrou que as coisas não são assim tão simples, e perdemos as nossas referências. Mas guardo comigo o compromisso de contribuir, de alguma forma, para que o mundo melhore. Por falta de alternativas, sempre que tenho um recado importante a dar aos meus patrícios, escrevo e publico em jornais (atualmente, o JC). Posso dizer que tudo que escrevo, inclusive meus dois livros, tem uma motivação e uma dimensão políticas, no sentido mais elevado que se possa dar a essa palavra tão desgastada.
Pretensioso? Talvez, mas com modéstia e sem ilusões. Como disse Millôr Fernandes, citando Sartre, também tenho dúvidas de que a minha pena seja uma trincheira. Mas faço o que posso.
Meus melhores cumprimentos ao seu blog e a todos que interagem com você, através dele.

Clemente