quinta-feira, julho 31, 2008

Algemas em cena!



Germano Romero

Diariamente vêem-se cenas deploráveis nos programas policialescos com que as emissoras de TV local decidem nos brindar em plena hora do almoço. Além do impacto visual das imagens em si, o foco se dirige às mais dolorosas entranhas do ser humano. São dramas associados a crimes que envolvem pessoas de qualquer idade, inclusive adolescentes e crianças, invariavelmente de classes sociais marginalizadas e desprotegidas

Ouvindo e lendo recentemente nos jornais, com muita freqüência, o termo "espetacularização", lembrei-me desses casos de polícia televisivos. Curiosamente não é a esses programas sangrentos que o emergente termo vem se aplicando, e sim às prisões de ricos e famosos, coisas nunca dantes vistas por esse imenso Brasil. Aliás, no governo Lula há a impressão de que existe mais corrupção justamente porque "espetacularizaram-na", tirando muita sujeira debaixo do tapete palaciano. E o "start" dessas "espetacularizações" foi dado no governo Collor, não obstante logo caírem novamente em desuso.

Convenhamos que há certa dose de prazer ao ver-se a bendita Polícia Federal agir sem discriminação no pleno exercício de suas investigações, em busca da justiça. Acrescente-se uma pitada de sadismo quando o alvo das diligências são poderosos empresários e inescrupulosos políticos que não têm a menor necessidade de roubar dinheiro público. Fazem por cafajestice, ambição desenfreada e mau caráter, ignorando todos os preceitos e princípios que se presumem aprendidos, ou ao menos escutados nas escolas, faculdades e no abastado convívio doméstico a que tiveram direito. Aí é que aumenta o sabor da "espetacularização".

Mas, tudo ocorre bem diferente dos espetáculos exibidos na TV local, em que humildes delinqüentes, cuspidos da sociedade por injustiça, são algemados e humilhados sem piedade. E com que grosseria os jogam contra a parede, seminus e sem o menor direito à privacidade... Além de expor escancaradamente as suas fisionomias, sem pedir licença ou lhes dar direito ao silêncio, enfiam microfones nas suas caras e os obrigam a confessar crimes que às vezes nem cometeram... Isso, sim, é que é "espetacularização"!

Todavia, jamais se viu um membro de instituição ligada à justiça se arvorar em defesa dessas vítimas diárias das algemas e da "espetacularização". Só porque não usam colarinhos, muito menos brancos. O que já era de se esperar num país em que há crimes "afiançáveis", celas especiais para criminosos doutores, foros privilegiados para quem desvia o dinheiro do povo, etc. E dentre tantos privilégios, como poderia se aceitar que se algemem os poderosos, sobretudo quando se desconfia que está por vir ainda mais sujeira? Mas, cá pra nós, bem que a fama e a riqueza valorizam essas cenas, hein?

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