terça-feira, julho 15, 2008

O desespero é coisa muito séria e implica desesperança.


MARCUS ARANHA

Waldick Soriano fez muito sucesso com uma composição, “Eu não sou cachorro não”, depois parodiada por Falcão, que lançou” I am not dog no”.

Soriano se dirigia a mulher amada que o maltratava, dizendo que não agüentava mais viver humilhado e que não era cachorro para ser tão desprezado. E encerrava a letra da música com um lamento dramático: “Pelo nosso amor, pelo amor de Deus, eu não sou cachorro, não!” A música de Waldick perdeu o sentido, pois, pra cachorro, os tempos mudaram.

Nesse Brasil, país de contradições, temos milhares de crianças abandonadas e passando fome, às quais pouca atenção se dá. Mas, segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Alimentos para Pequenos Animais (ANFAL PET) existem 27,9 milhões de cães em invejável situação de conforto nos lares brasileiros. Com pet food, produtos farmacêuticos, vacinas, embelezamento e acessórios o mercado brasileiro fatura R$16 bilhões! Taí o que se gasta com gato e cachorro. Pra ter uma idéia desse mercado, basta dizer que São Paulo tem 4.000 pet shops.

Essa coisa chegou a ponto inusitado, talvez, revoltante. Diferentemente das nossas crianças miseráveis, cachorro, além de carinho, tem direito a uma excelente e farta alimentação, brinquedos, roupas personalizadas, banhos de beleza tipo ofurô, assistência médica e farmacêutica de qualidade e até consulta com psicólogo.

Sinceramente, eu não me orgulharia em ter um filho especializado em psicologia animal. Nem que ele fosse um verdadeiro Freud de cachorro.

A última notícia desse pedaço em São Paulo (sempre, a paulicéia desvairada) é o motel pra cachorro. Clínicas e petshops adaptam salas com espelhos, cama redonda, paredes pintadas com cores quentes, além de aromatizantes. O espaço tem a finalidade de fazer o cruzamento entre animais, mas visa primordialmente realizar sessões fotográficas com o casal de cães. Veja a loucura: com o álbum de fotos a mão, na sala de visitas, bebericando um uísque, você mostra aos amigos, imagens de seu cão fornicando!

E mais uma extravagância maluca é funeral de luxo pra cachorro. No Clube Pet Memorial (também em São Paulo), por uma taxa que varia entre R$750 a R$1.500, cachorro morto se despede do dono, de banho tomado, pêlo escovado e rodeado de flores frescas. E mais: com direito a rabecão refrigerado, caixão, capela, velório, cremação (se essa for a opção do dono) e urna para cinzas.

Mas quem não deseja cremar seu cão, dispõe do “Jardim do Amigo”, em Itapevi, na Grande São Paulo, o maior cemitério particular de animais, no país. O dono do bicho pode escolher entre seis áreas para enterrar o amiguinho morto; da ala comunitária até um bosque gramado e com lápides de granito ou mármore.

Pois é... Essa loucura já chegou aqui.

Terça feira passada, no caderno Cidades do CORREIO, foi publicado um anúncio; “DUAS CADELINHAS PERDIDAS, DONOS DESESPERADOS”, com descrição, fotos das duas cachorras e oferta de recompensa.

São meus votos que os “donos” dessas cachorrinhas já as tenham encontrado. Mas eles poderiam pensar melhor no que é propalar a todo mundo estar desesperado. O desespero é coisa muito séria e implica desesperança. Poderiam fazer uma visita ao setor pediátrico do Hospital Laureano e ver duas, três, quatro, dez ou mais crianças “perdidas”, com câncer incurável. Os pais dessas sim, têm razão em se dizerem desesperados. O caso de seus filhos não se resolve com anúncio no jornal nem oferta de recompensa. O verdadeiro desespero desses pais é que eles sabem que só contam o pouco poder da medicina e a misericórdia de Deus.

É incompreensível, é demais e não é cristão esse “desespero” público dos donos dessas cadelinhas. Nem São Francisco de Assis, com o amor aos animais que lhe era peculiar, ficaria desesperado por causa de duas cachorras.

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