quinta-feira, outubro 02, 2008

Fala, Moreno!


Carlos Mello

Hugázio, antigamente v. era mais velho do que eu e suas reflexões me orientavam para a vida prática. Mas depois que v. ficou em idade estacionária, e eu te passei, fico curioso em saber como você está vendo as coisas. A totalidade dos amigos que restaram ou não responde minhas mensagens ou o faz por monossílabos. Devem achar-me chatíssimo com minhas preocupações anacrônicas. De repente, começo a achar que a loucura invadiu o mundo e o Brasil de tal forma que não há mais possibilidade de diálogo. Quando externo minhas preocupações, as pessoas respondem com certo tédio, como se eu estivesse exagerando, ou falando de coisas desimportantes. Pode até ser. Mas cada vez que leio um comentário do Lula, e em seguida vejo que sua popularidade chegou a um patamar nunca alcançado antes, nem por Getúlio, ou JK, acho que a coisa gangrenou mesmo. Percebo também uma tendência imperiosa à alienação. Basta olhar à volta: há centenas de formas de desligar-se da realidade - igrejas, jogos (de azar ou esportivos), sexo, discussões tolas, moda, e sobretudo drogas. O velho Ortega, no prefácio à História da filosofia do Bréhier, dizia, ao falar de crise, que "nunca houve uma época em que a humanidade se tenha suicidado". Será que chegou essa hora? Examinando as estatísticas de fome, doenças incuráveis e lutas genocidas ou espirais de homicídio (ocorrem no Rio, por ano, mais assassinatos do que no Iraque), a par com a multiplicação de suicídios (sobretudo no primeiro mundo) não dá pra ter uma idéia muito otimista. Ou eu estou ficando definitivamente gagá? Os autores que li nesses últimos meses, pertencentes a diversas épocas e culturas - Anatole France, Tolstói, Machado, Goethe, Erasmo - todos falam, de uma forma ou de outra, na incurável loucura humana. Mas até o fim do modernismo, havia a muleta psicológica dos grandes sistemas explicadores da realidade - a gente pegou as ondas sucessivas de marxismo, psicanálise, existencialismo, contracultura, nova era... As explicações foram ficando cada vez mais contraditórias, tolas, superficiais. Sei não, amigo, acho que, como diria Bandeira, "só tocando um tango argentino". Não precisa responder, não quero obrigá-lo a esse trabalho chato. Se eu tivesse aquela fé que move montanhas, talvez me retirasse, para o monte Athos, ou para algum mosteiro da Índia. Mas em "países jovens e cálidos" (a expressão é do Machado) é bem difícil essa opção. Aqui tudo é carnaval, sacanagem, evoé Baco! Abraço forte do velho amigo velho, C.....

N.R. O texto acima, de autoria do meu querido amigo Carlinhos Cordeiro de Mello, me chegou talvez para comentar algum texto perpretado por minha humilíssima pessoa. Achei o texto tão significativo, que resolvi postá-lo fora dos comentários. Quero compartilhar com todos esse saboroso vinho. H.C.

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