sábado, outubro 11, 2008

Tsunamis, Marolinhas & Quejandos


Hugo Caldas

Em 1508 o Papa Julio II autorizou, quase obrigando, Michelangelo a pintar os afrescos do forro da Capela Sistina. O grande mestre evidentemente relutou o que pôde, por se considerar mais escultor que pintor. De qualquer modo ordens são ordens e o trabalho se iniciou no mesmo ano de 1508, completando-se a primeira metade em 1510 e finalmente concluído em 1512. Por essa época, Roma era a capital do mundo, e a Europa vivia o esplendor do Renascimento com todas as suas pompas e circunstâncias. O Brasil, tadinho, tinha então apenas 12 aninhos de idade e nós, botocudos e tupiniquins, andávamos pelados, pelas praias, frequentávamos a Mata Atlântica ainda intacta, felizes da vida na maior vagabundagem, caçando, coçando e pescando. Felicidade total sem essa politicagem, sem esses políticos, apedeutas e venais da República, que tanto nos infernizam a vida nos dias de hoje. Oh, os bons tempos!

Dessa época, conta Millor Fernandes, edificante historinha mais ou menos assim:

No dia 22 de abril de 1500, três meses depois do carnaval, tarde modorrenta de escaldante verão, o morubixaba da Tribo dos Paranacuiú-nã-nã, tomava um deforete à beira mar, recostado a uma enorme pedra, enquanto coçava uma frieira no dedo mindinho do pé esquerdo. Após traçar um peixinho assado na brasa, regado à uma boa cachacinha feita da fermentação de mandioca, tomou o silvícola-mor o maior susto. Teve, como num desvario fantasmagórico, sua atenção voltada para a frota de Cabral que desembarcava, bem alí na sua frente, homens, cavalos, munição, armas e víveres. Gente muito estranha aquela. Todos vestidos - roupa pesadíssima - dos pés à cabeça. Uma loucura para o nosso clima tropical. O Chefe balançou a cabeça, estalou os lábios em sinal do mais profundo desagrado e melancolicamente comentou lá com seus botões, se botões ele os tivesse. "Isso não vai dar certo!”

Evidentemente não deu!

Atravessamos cinco séculos levando ferro e tentando aprender. Verdade que passamos o que o diabo enjeitou porém continuamos estoicamente às voltas com a hereditária e costumeira avacalhação onde a esperteza é o padrão maior a ser alcançado por todos nós, afortunados que somos, povo em geral, motoristas, torneiros, mecânicos, bondosos e maldosos professores, barnabés, milicos e mais todo o resto dos paisanos.

Tsunami e marolinha.

Dizem os doutos bacharéis em ciências econômicas que não se vê crise assim desde a depressão na década de vinte do século passado. E tem deles falando desrespeitosamente em Tsunamis e marolinhas. O nosso homem do Planalto, qual um Sócrates (o filósofo grego, não o ex-jogador do Corinthians) ressuscitado, não tinha conhecimento do que se passava na sua sala de jantar, estivesse ele às voltas na elaboração de uma boa panelada na sua cozinha. Subitamente, não mais que de repente, agora virou o sabe-tudo. O pior é que quando acorda invocado pega o telefone liga pro Bush e aplica-lhe uma descompostura em regra:

"Ô Bush, meu filho, segura as pontas aí que é para a crise não atravessar o Atlântico".

Deu também de baixar o sarrafo nos gringos e no FMI. Desconfio que ele, deitado eternamente em palanque esplendido ou em uma porta qualquer de uma fábrica qualquer, ele que tudo pode, esteja pensando seriamente em se candidatar a presidente dos EUA. Será? Antes de qualquer coisa, alguém por lá, diga ao ignorante, que o país América se situa do lado de cá do Atlântico. Não precisa atravessar coisa alguma, nada. A crise virá de bandinha mesmo. Os EUA não ficam na Europa. Haja Deus!

Lá vem mais!

Não satisfeito, após demonstrar seus profundos conhecimentos de geografia e economia, o apedeuta cometeu esta semana sua mais desbragada diatribe filosófica: "A internet é o extravasamento da liberalidade do ser humano”. Profundo, não? Ele, que passou apenas 30 dias na cadeia! Logo, logo o Greenhalgh o tirou de lá. Mas isso é outra história. Espeeera!

Vamos dar tempo ao tempo de um segundo turno.

Até a apuração do último voto em São Paulo, no Rio e em Belo Horizonte, além de outras plagas de somenos importância o governo (sic) continuará negando de pés juntos que a crise possa vir a colocar água no nosso chope. Depois do segundo turno é "em tempo de murici, cada um cuide de si”. Quer apostar?

Ululei (epa) com aplausos mais do que vibrantes quando lí:

"Presidente diz que poderá cortar gastos."

Será verdade Deus meu? Não estarei ficando maluco? "O presidente afirmou hoje, em sua primeira entrevista exclusiva aos portais da Internet, que o governo poderá cortar gastos se a crise financeira internacional se tornar mais grave". Mas, porém, contudo, entretanto, voltou a descartar a adoção de um pacote para enfrentar as conseqüências da crise. Disse ainda Sua Excelência que não haverá restrições aos programas sociais do governo (claro, ele não é doido de cortar os Bolsa-Tudo que existem de norte à sul para lhe garantir votos a si e seus apaniguados), e que o Brasil terá um Natal “extraordinário”. É, forçoso ter que acreditar em Papai Noel fajuto. Jingou-bel, acabou o papel!

Desde já, Feliz Natal a todos.

hucaldas@gmail.com
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