sexta-feira, junho 12, 2009

Meus caros amigos II

Hugo Caldas

Eu tinha plena certeza de que, pelo simples fato de ter reproduzido um texto do Ipojuca Pontes no qual ele desancava a esquerda culpando-a por tudo de ruim que aconteceu com Wilson Simonal, a turma do cordão encarnado não iria deixar por menos. Recebi um sem número de e-mails me desancando. De outros, mais sensatos, apenas um puxão de orelhas. Um deles, pela amizade consideração e respeito que me merece, respondi em forma de carta. Para a turma da geral, fiz o meu melhor, dei uma copidescada na carta e apresento agora no Blog.

Talvez eu estivesse mesmo pegando pesado mas tenho cá minhas razões. Como os meus queridos amigos devem ter as deles. Afinal ainda estamos numa democracia, ou não? O fato em monta, acontecido nos anos de chumbo, e que ainda hoje "tarefeiros" ficam a procurar chifre em cabeça de cavalo, me leva a conjecturar que nós nunca vamos nos desvencilhar das cadeias desse passado ainda muito recente em nossas vidas. Gostava muito do Simonal. Se ele mandou raptar e dar um corretivo em um safado que lhe roubou, quem, com conhecimentos nas esferas competentes não faria o mesmo? À época eu morava em um prédio aqui na Boa Vista e no andar embaixo do meu apartamento residia um delegado de polícia muito famoso por suas arbitrariedades. Todos no prédio o respeitavam, temiam. Talvez até, quem sabe, capitalizando a amizade para uma eventual necessidade. Um belo dia, tendo eu sofrido um furto na escola, ele se ofereceu para prender o suspeito e dar um corretivo no indigitado. Descartei, é claro. Foi um caso semelhante ao de Simonal.

Agora vejamos: nada ficou provado sobre as amizades do Simonal no DOPS. Ele, falastrão, apregoava aos quatro ventos que tinha ligações no SNI. A lógica leva a descrer em tamanha asneira. Se realmente as tivesse não sairia por aí trombeteando. O que ele tinha, todo o mundo sabe, era poder, era dinheiro, era um talento até hoje jamais igualado, era o charme era a pilantragem com que faturava as loironas o que matava de inveja os bem-nascidos. O que ele era: "um negro de venta chata, cabelo ruim, oriundo das classes baixíssimas e de uma infância sofrida. Virar artista desse quilate, onde já se viu? Quem mandou sair da cozinha"? Cansei de ouvir argumentos desse tipo.

Não percebo, face à tragicidade do episódio, que redundou no ostracismo que o levaria à morte, onde ele deva ser cobrado pela tortura e desaparecimento de tantos dos nossos amigos. Será que teremos sempre que fechar os olhos aos malefícios comprovados da esquerda? E aos malefícios comprovados da direita? Hitler matou 6 milhões de judeus, Stalin matou 20 milhões de russos. E os Turcos quantos Armênios mataram? E Lampião, que não era de esquerda ou direita, quantos nordestinos sangrou? O bicho homem é que é uma fera. E o massacre nas florestas de Katyna na Polonia, realizado pelos soviéticos?

Eu, se não sabiam saibam agora, também fui preso e torturado psicologicamente. Passamos eu e o meu companheiro de infortúnio, das 11 da manhã de um dia às 2 da manhã do dia seguinte sendo removidos e trocados de um lugar para outro. Advertências diretas de que seríamos fuzilados, sem direito a um telefone, sem poder avisar a família, sem uma palavra sequer a não ser os impropérios do general Souza Aguiar. Concluído o ridículo sucesso, levei mais de um ano para me desvencilhar de uma espécie de neura, síndrome do pânico, ou coisa que o valha, andava verificando a retaguarda e todas as pessoas me olhassem de revés seriam possíveis informantes do SNI. Já pensei seriamente em cobrar uma "bolsa-ditadura", que acham?

Se estão achando engraçado - o episódio está relatado com detalhes aqui no BLog, com data de Quinta-feira 20 de Julho, de 2006 - Recuerdo 07 - "Perigoso Agitador Argentino Preso no Recife."

"Ninguém sabe o duro que eu dei" é o filme que o Claudio Manoel fez. Deve ser um belo documentário. Espero ansioso para assistir e comprovar que sem ele - Simonal - a música popular brasileira perdeu o seu encanto o seu balanço e se encontra neste cenário atual de indigência. Esquecer? Também acho que não. Mas me parece que a utopia da esquerda a essas alturas dos acontecimentos me leva a crer, que não há mais lugar para a síndrome de cristão das catacumbas. Neste país, vocês já sabem, tudo pode acontecer. Millor Fernandes ao constatar as polpudas "indenizações" do Jaguar, Ziraldo e Carlos Heitor Cony, por "perseguições sofridas", soltou a condenação definitiva: " eles estavam investindo, é isso?".

Ah, para finalizar informo que o amigo Elpídio Navarro anda meio enfezado e irritado comigo. Consta até que ele me tirou do quadro de "colunistas" no seu site "Eltheatro". Alega que estou desancando demais a esquerda e "pour cause" ele próprio. Mas eu nem ligo. Gosto um bocado daquele buchudo.

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