domingo, janeiro 24, 2010

De como Paulo Pontes entrou para o Teatro

Alô amigos do "Cordão Encarnado." Vocês que vivem falando que o Ipojuca Pontes é isso, é aquilo, tem mau gênio, é irascível, colérico, bilioso... Acho que Vossas Excelências quebraram a cara. Ipojuca revela-se neste texto um excelente memorialista. Sem contar evidentemente a valiosa contribuição para a história do teatro paraibano e brasileiro. Saio de cena e chamo ao palco a quem de direito. HC.

Ipojuca Pontes

Vivíamos então na Amaro Coutinho, em modesta casa de porta e janela, na boca do Varadouro. Nossa vida girava em torno de livros, futebol, cinema e, às vezes, Ponto de Cem Reis, no espaço da Sapataria Cruz, “esquina do pecado”, onde Paulo Pontes, com menos de dezesseis anos, pontificava entre os amigos Homero e Roberval. Os três jogavam palitos (“porrinha”) para ver quem pagava o cigarro (“Continental” sem filtro) e o cafezinho – no Alvear (fichas verdes) ou no Canadá (fichas vermelhas), a escolher.

Na metade dos anos 50, João Pessoa era uma cidade especial. O chique, para os deserdados, era dançar sábado à noite no Samburá, uma boate às claras em Tambaú, ou tomar de “assustado” alguma casa de família para bailar ao som de Waldir Calmon. Não se falava ainda no Sputnik, tampouco nas Ligas Camponesas: o crime em pauta no disse-que-disse da cidade era – estranhamente – o de Caryl Chesmann, o bandido americano da Luz Vermelha. A vidinha no pedaço fluía vagarosa e mansa como uma procissão de Corpus Christi, só interrompida pelo canto embriagado e operístico de Vasco Navarro, de madrugada, na Praça João Pessoa.

Às terças-feiras, depois de vender jornais, garrafas e metais no “ferro velho” de Severino Pouco Peso (onde um quilo pesava 600 gramas), íamos invariavelmente ao Cine Brasil assistir às comédias de Leo Gorcey e seus rapazes, os sempre divertidos Anjos da Cara Suja, que viviam na tela o drama enfrentado pelos irmãos Pontes na vida real: estavam sempre duros e cheios de projetos. Saíamos felizes do Cine Brasil e, se houvesse “algum” de troco, prolongávamos o estado de graça com um sorvete n`A Botijinha, de propriedade do mais tarde empalado Princesa, o Sibilino.

Foi exatamente numa “noitada” assim, quando saímos satisfeitos da sessão de cinema rumo ao sorvete de Princesa, que desabou um súbito pé-d´água, e resolvemos nos abrigar na entrada do Teatro Santa Rosa, cujo porteiro, Zé Pequeno, variava de humor conforme o tempo – e ele odiava chuva. Foi então que se deu o acontecido. Paulo Pontes, sem querer (era míope), pisou no pé da moça, a moça esbravejou, ele pediu desculpas com educada voz, a moça sorriu, ele também sorriu e ela, olhos grandes e amendoados, cabelos azeviche, voz de flauta doce, estendeu-lhe a mão e, atrevida para os padrões da época e do lugar, apresentou-se:

- Eu me chamo Gil Santos. Estou ensaiando uma peça lá dentro. Não quer ir ver?

Ele foi, aliás, fomos e ficamos à distancia enquanto a mocinha corajosa subia ao palco e se enfronhava num mundo religioso e exacerbado, obscuro e confuso para mim que tinha saído para ver os Anjos da Cara Suja, e só aguardava a chuva passar para tomar o sorvete de Princesa, na Botijinha.

Do meu lado, Paulo Pontes olhava aquilo embevecido. Olhava a mulher mais do que o ensaio, todavia, o ensaio também. Havia um clima no ar. Talvez a engrenagem de um universo desconhecido que se desenrolava pela primeira vez diante dos seus olhos, seguramente a perspectiva de uma experiência afetiva e amorosa que surgia de forma imprevista e casual. O futuro dramaturgo descobria o teatro pela mão sedutora de uma mulher a quem nunca vira antes, mas cujos encantos, dali por diante, não mais esqueceria. Voltando-se para mim, mas falando mais para si mesmo, deixou escapar, sussurrando:

- Bela Gil!

4 comentários:

Carlos Cordeiro disse...

Ipojuca fica nos devendo uma história do teatro na Paraíba (ia dizendo teatro amador, mas sempre foi assim, não somente no sentido não profissional, mas sobretudo no sentido que aqui emprego, "feito por gente que realmente ama(va) o teatro)". E que não seja uma história fria e chata (ele não saberia fazer coisas chatas), uma mera sucessão de relatos, mas uma crônica, ao sabor dessa amostra com que nos brinda hoje. Sobre o Paulinho, jamais esquecerei seu discurso, com a farda da PM paraibana, (com que logo depois entraria em cena), antes do último espetáculo do festival, criado e realizado unicamente pelo empenho e a paixão de Genildon Gomes), dizendo para a platéia que superlotava o Santa Rosa, que havia ali dois espetáculos, um deles na platéia, pela afluência em massa daquele povo anônimo. Grande Paulinho, cuja doença e final de vida acompanhei com dor insuportável aqui no Rio.
Carlos

Jorge Zaupa disse...

Lindo o texto sobre a "BELA GIL". Delícia de leitura. Jorge

Breno Grisi disse...

Alô Hugo:
Na linguagem atual... BELEZA, as informações contidas no blog do Hugão. Gostei do curto histórico da vida de Paulo Pontes narrado pelo Ipojuca. Vamos em frente! Breno

Unknown disse...

Olá Hugo
Certamente o Carlos Cordeiro a que vc se referiu quando me telf ontem não é o mesmo.
Não sei se vc sabe mas sou também paraibano de JP e vivi até meus 17 anos na boa terra inicialmente na Diogo Velho, perto do sítio de Zé Biu , depois Instituto Dom Adauto e depois na rua do Cisco( Frutuoso Barbosa)na casa do meu tio Viana Pesão, que desembocava bem no necrotério do Pronto Socorro da época.
Vc esqueceu de se referir ao famoso Kerubim Bar da descida para o comércio com o seu caldo de cana e bolo.
Abração
Osman Godoy