terça-feira, fevereiro 16, 2010

A Dança da Morte

Hugo Caldas

Em 1518 o carnaval de Estrasburgo, cidade francesa na Alsácia, então parte do Sacro Império Romano-Germânico, não foi nada recomendável às pessoas de boa família e aos bons costumes. Uma tal de Frau Troffea, jovem senhora da localidade, como que tomada de repente por algo bem mais forte do que a sua vida insípida, começou a dançar em um beco sem saída e somente conseguiu parar seis dias depois, quando a viela já contabilizava a presença de mais de trinta pessoas que a seguiam, no melhor estilo do Galo da Madrugada. Continuou ela a dançar e a rodopiar, e bem que tentou parar mas, oh céus, a febre da dança já estava completando um mês. Lá para setembro havia já uns 400 alsacianos rodopiando e pulando quem nem o "Meteoro da Paixão", aquele medíocre cantor de música sertaneja. Convenhamos que é um esforço supra-humano corrupiar sem conseguir se deter, ainda mais debaixo de um sol inclemente de verão em pleno Hemisfério Norte. Quando outubro chegou, a maioria dos dançantes já havia se despedido deste mundo ingrato, vitimas de ataque cardíaco, derrame cerebral, exaustão ou pura e simplesmente o calor. Historiadores afirmam, baseados em farta documentação que se tratava de um bloco carnavalesco involuntário: ninguém realmente queria dançar, (me segura que eu vou ter um troço), mas também ninguém conseguia parar (eu não vou, vão me levando). Os que não morreram ficaram bestificados para o resto das suas vidas. Qual a explicação para tão insólita ocorrência?

A tradição oral bem que tentou colocar panos quentes na história e durante séculos chegou-se a qualificar os sucessos de 1518 como lenda. Quinhentos anos depois dos fatos aqui relatados, o historiador John Waller estudou detalhadamente o assunto da dança compulsiva e lançou um livro de 276 páginas para provar que a estranha compulsão de dançar até à morte não foi lenda coisa nenhuma. Foi mesmo uma espécie de frenesi mortífero: “Tempo para Dançar, Tempo para Morrer - A Extraordinária história da Praga Dançante em 1518". O autor junta à obra, registros históricos que documentam as mortes pela fúria dançante: anotações de médicos, sermões, crônicas locais e atas do conselho de Estrasburgo.

Um outro especialista, Eugene Backman, escreveu em 1952 o livro "Danças Religiosas na Igreja Cristã e na Medicina Popular". Afirma o sr. Beckman, que os foliões alsacianos tinham como hábito, a ingestão de um certo tipo de fungo (Ergot fungi), um mofo que cresce nos talos do centeio, e ficaram doidões. O "Tartarato de Ergotamina" é um componente do ácido lisérgico, o LSD, alucinógeno conhecidíssimo por estas bandas recifenses, na década de 50 do século passado.

Waller, no entanto contesta Backman. A intoxicação por comer pão bolorento poderia também desencadear convulsões e alucinações violentas, mas não movimentos coordenados que durassem dias e até meses.

Robert Bartholomew, sociólogo, ventilou uma outra teoria segundo a qual o povo estaria envolvido em rituais de seitas heréticas. Mas, tendo comprovado que as pessoas na realidade não queriam dançar, por medo e desespero, o nosso amigo Waller torna a ponderar: "É importante ter em mente o contexto de miséria humana que precedeu a folia carnavalesca sinistra: doenças como sífilis, varíola e hanseníase, fome pela perda de colheitas etc". O ambiente era muito propício para superstições.

Uma delas era que se alguém cutucasse o diabo com vara curta, ou melhor, causasse a ira (?) de São Vito, ele, como Zeus, arremessaria em poderosos raios, a praga da dança compulsiva na cabeça dos pecadores. A conclusão de Waller é que o carnaval epidêmico foi uma “enfermidade psicogênica de massa, uma histeria coletiva precedida por estresse psicológico intolerável". Como podem ver, um mal bastante parecido com os que ocorrem nos tres dias de folia cá em Pindorama.

Gravura de Henricus Hondius (1573-1610) retratando três mulheres acometidas pela praga da dança: obra é baseada em desenho original de Peter Brueghel, que teria testemunhado um dos surtos acontecidos em 1564 na região de Flandres.

Seis ou sete surtos afetaram ainda localidades isoladas na Belgica depois da bagunça iniciada por Frau Troffea. Se tem notícia de fato idêntico ocorrido em Madagascar em fevereiro de 1840. Nos dias atuais exemplos mais marcantes da dança compulsiva poderão ser comprovados nas cidades de Olinda e Salvador após o Tríduo Momesco. É do conhecimento de todos que nenhuma das duas cidades acima citadas quer parar de dançar e pular a folia de Momo. Seria este um sintoma da dança compulsiva? Cartas à Redação.

hucaldas@gmail.com
newbulletinboard.blogspot.com

2 comentários:

Carlos Mello disse...

Hugão, é estranhíssimo. Sei que você não vai concordar, mas pra mim isso é possessão demoníaca. Não tenho saco de explicar isso, muito menos pra um herege. Então, aconselho a que veja no Youtube "Ivete Sangalo possuída". Vocês são incréus e teimosos, mas a verdade é que Satã está fazendo a festa dele, enquanto vocês discutem tolas teorias sobre psicologia das massas etc. E trate de rever Madre Joana. Ainda que seja em DVD, já que não existem mais cineclubes. Aliás, por que você não funda um cineclube em BV? Carlos.

Fábia disse...

Oi Hugo!
Seria também interessante saber "o que deu no Zorba", o grego, pra ele dançar até cair...

Pra ele dançar era expressão de muita alegria ou de muita tristeza, mas eu penso que poderia funcionar pra muita gente como forma de terapia e não de suicídio.

Entretanto creio que temos o livre arbítrio.
Abraço
Fabia de Carvalho