sábado, maio 29, 2010

Binho & Maricota

Hugo Caldas

Meu neto Gabriel fez aniversário lá na França, onde mora. Quatro aninhos. Dia seguinte, lhe aparece uma crise de asma proveniente de que, ainda não se sabe. Estão a desenvolver uma série de exames a fim de descobrir a causa. Teve que ser hospitalizado. Vi a angústia estampada no rosto do meu filho Trajano. Existia um computador com câmera, ligado na Internet e podíamos ver o movimento no quarto do hospital. Não é fácil para um pai. Principalmente um pai como ele. Senti de perto o drama que atravessava... Disse-me num rasgo de desespero, olhando desolado pela tela pequena:

- "Pai, daria a minha vida pra que isso não estivesse acontecendo com o meu Binho."
Binho
Eu, do lado de cá, coração apertado pela absoluta incapacidade em ajudá-lo de alguma forma a não ser umas injeções de ânimo, absolutamente inócuas. Triste sina essa de ser avô, a gente chega a sofrer em dose dupla. Pelo filho e pelo neto. Tudo isso me faz regredir no tempo e lembrar caso semelhante acontecido com Maria Eugênia, sua irmã mais velha, na época com praticamente a mesma idade do Gabrielzinho.

Era uma noite de intensa chuvarada. Dez horas mais ou menos, saí desesperado de casa a procura de ajuda para a minha filhinha. A minha Maricota - era assim que a chamava na época - havia contraído uma infecção intestinal e não estava nada bem. Desnorteado, a chuva me batendo forte na cara e na cabeça, doía pela intensidade do aguaceiro. Lembrei de Julia, empregada da casa da minha mãe, que fazia história com suas histórias... nas noites de toró ela corria pelo quintal, braços levantados, gritando como numa oração...

- "Chuva Mãe de Deus, cada pingo um pote!"

Subitamente no meio da estrada os faróis acesos de um automóvel. Corri ao seu encontro, braços abertos, consegui pará-lo. Era um táxi que se dirigia ao Recife. O ocupante condoeu-se da situação e se propôs a nos levar ao hospital mais próximo. Lá nos deixou e não permitiu que eu pagasse qualquer parcela da corrida. Achava que eu iria precisar de muito dinheiro para enfrentar o que me esperava. Até hoje agradeço mentalmente àquela ajuda caridosa, anônima, mas essencial.

No hospital já nos esperava o Dr. Fulano de Tal, a quem havíamos consultado anteriormente. Eu, desespero total, insistia em saber a real situação da minha filha, e quais providências tomar. Porém o Dr. Fulano de Tal preferia discutir com o Dr. Sicrano de Tal, seu colega de plantão, o que o Doutor Miguel Arraes fez ou deixou de fazer pela medicina pernambucana antes de ser defenestrado do governo. Examinou-a mais uma vez, superficialmente e aconselhou, não sem antes considerar o meu nervosismo coisa de "marinheiro de primeira viagem:"

- Vocês voltem pra casa e se ela se desidratar me chamem...

Ora, ela já estava desidratada... minha mulher queria realmente seguir o descabido conselho e voltar para casa. Eu poderia ser marinheiro de primeira viagem, mas cego é que não era. Sabia, sentia que a situação iria se agravar a cada minuto. A minha Maricota estava bastante pálida e com as unhas arroxeando. Tivesse eu voltado para casa... até hoje sinto um suor frio na espinha cada vez que lembro do episódio... pensar que poderia ter perdido a minha filha...

Maria Eugênia hoje, graças aos deuses, está viva, linda, forte, às vezes encrenqueira, e mãe do meu neto primogênito.

A chuva continuava braba. Pegamos um outro táxi no hospital e viemos parar em uma clínica nas imediações da Rua da Soledade, na Boa Vista. O médico, uma figura jovem e simpática, a mais perfeita antítese do Dr. fulano de tal, após minucioso exame, sentenciou...

- "Essa criança está completamente desidratada, se não entrar imediatamente no soro morrerá até as seis horas da manhã”.

E assim foi feito. Ela entrou imediatamente no soro. Em havendo uma grande afluência de crianças doentes naquela noite, a minha filha teve que ficar em uma maca no corredor. Eu permaneci ao seu lado, observando o soro cair gota a gota. Foi a noite mais longa da minha vida. Aos poucos lhe foram voltando as cores, já não aparentava desfalecimento. Até achou, manhã cedo, de se queixar por rasparem um pouco do seu cabelinho a fim de pegar uma veia para o soro...

- "Que fizeram com o meu cabelo, Painho, assim eu vou ficar feia!"
- "Que remédio é esse que vem da parede?"

É que ela não conseguia ver o tubo de soro pendurado na parede, apenas a mangueirinha. Dia seguinte não fui ao trabalho, estava exausto, telefonei e o chefe da empresa não só abonou a falta como se solidarizou e prometeu pagar toda a despesa, o que efetivamente o fez. Passei o resto do dia com ela, que já meio impaciente queria a todo minuto se levantar da maca.
Maricota
É absolutamente espantosa a capacidade de recuperação dessa racinha. Às cinco da tarde Maricota corria sã e salva pelos corredores da clínica. O netinho Gabriel também logo se recuperou e como pode muito bem ser constatado na foto (no exato instante da alta médica) ele ficou se achando o máximo com essa luzinha na ponta do dedo. Está muito bem, graças aos deuses.

Praza aos céus que ele cresça lindo, forte, sadio e sábio. E que dê ao seu pai as mesmas alegrias que eu recebi dele e de sua Tia Maricota!

hucaldas@gmail.com
newbulletinboard.blogspot.com

10 comentários:

Silvia Freire disse...

Oi Hugão,
Com certeza Gabriel vai superar isto tudo, afinal quem tem nome de Anjo já é poderoso. Tem uma pequena oração que dizemos todas as terças feiras na Missa dos Anjos "São Rafael com Tobias, São Gabriel com Maria,São Miguel com toda a hierarquia ABRI PARA Nós todas as vias...
Beijão. Silvia

Alexandre disse...

Caro Professor, ser Avô é ser duas vezes Pai. Não é fácil. Mas tudo vai ficar bem.

Força !

E a pedidos novo post:
http://alexdobrasil70.blogspot.com/2010/05/dia-dos-professores.html

Ipojuca Pontes disse...

Caro Hugo,

Uma bela e sofrida historia, Nada como começar uma manhã com um relato como o seu - comovente.
Abração, tudo de bom para voce e os seus.
Ipojuca

Carlos Cordeiro disse...

Hugão meu comment ao Binho & Maricota: "Nego veio", como diz o Juracy, eu também já passei por isso, com filha e com neto. A gente sente o coração encolher, ao ver a agulha enfiada naquela veiazinha. Faz parte da bênção maravilhosa que é ser pai e avô. Médicos canalhas estão voando por aí que nem morcegos. Mas também há os conscientes e honestos, competentes e capazes de compreender a dor alheia. E há também os anjos que Deus põe no nosso caminho, como esse motorista de táxi. Seu filho está passando pelo mesmo caminho que nós. E daqui a pouco será avô, e verá a repetição do mesmo lance. Assim é a vida para quem tem sensibilidade e amor, e não se escuda em ideologias idiotas ou falsas religiões. Carlos

Cláudio disse...

Ê meu veio, e eu que vi esse texto em conversas dagente, digo parabéns pela composição. Adorei o texto - comovente. Valeu! Graças a tua persistência on a secound opinion a maricota ficou boa, e toda serelepe no dia seguinte; e binho, também já serelepe no hospital, tal como a tia... Haja energia, Caldas. Essa familía é parada. Valeu véio por seguir em frente. Keep on writing, living!

Do negão que veio da Maricota,
Caraco Caco

Maricota disse...

Pai: Ainda bem q eu tive vc ... e tenho ate hj ...Sempre preocupado c sua Maricota mesmo qd fico distante e em silencio ...Obrigada por ter estado naquela noite em casa ...E ao meu lado ... Se n fosse isso ...Eu n estaria aqui agora ...TEAMO!!!!! Sua Maricota

Fábia disse...

À Maricota e ào Gabrielzinho, que somente conheço através das fotos (que me amolecem o coração) e do enorme carinho do pai e avó coruja, desejo que a vida lhes traga muita coisa boa.
Adorei as fotos e o seu texto Hugo!
Beijos
Fabia

Mary disse...

As crianças sempre nos surpreendem na rapidez do pronto restabelecimento a uma doença. Gabriel aconteceu em 16 de abril pelo seu aniversário alguns dias depois já estava de volta ao seu cotidiano...já Nenena dia seguinte já passava a mãozinha pela cabeça raspada perguntando pelo cabelinho...São os anjos que fazem parte das nossas vidas como presentes de Deus.
Muito bom Hugão o texto depois de formatado com as fotos de ambos. A de Nenena está antológica. Adorei! Bjs Mary

Marcia Barcellos disse...

Primo Hugo,
Que relato lindo e emocionante do Binho e Maricota.
Lindas as fotos!
Chorei de emoção ao lembrar de meu filho quando era pequeno.
Que saudade desta época! Abraços. Márcia

Marcia Barcellos disse...

Boa noite, primo!
Emocionante as palavras de Maricota para vc.Que declaração de amor mais verdadeira!!! Quanta emoção ! Tudo que um pai gostaria de ouvir.
Parabéns Maricota! Por toda demonstração de gratidão.
Parabéns Hugo! Por ter sido merecedor de todo carinho demonstrado nas palavras emocionantes de Maricota, sua filha.
Fica para nós outros, o exemplo tão dígno de gratidão, reconhecimento e amor.
Lindas palavras!...Grande abraço em todos. Márcia

( BInho e Maricota )