sábado, janeiro 15, 2011

FUIT HIC OU THE BIGGER SPLASH

W. J. Solha

Quando – absolutamente maravilhado - estive pela oitava e última vez ante o “Las Meninas” de Velázquez, no Museu do Prado, em Madri, sabendo que dificilmente voltaria a parar diante do quadro deslumbrante, eu me vi repetindo-me insistentemente: “Eu estou aqui, eu estou aqui, eu estou aqui!”



















Lembrei-me desse impulso, emocionado, ao perceber o que Van Eyck fez ao terminar seu também soberbo retrato do casal Arnolfini:
















Ele escreveu na parede ao fundo do quadro, entre o candelabro e o espelho circular:














“JOHANNES DE EYCK FUIT HIC. 1434”. “JAN VAN EYCK ESTEVE AQUI. 1434”. Mas não apenas eu assegurei que estive ante las meninas: o próprio Velázquez usou a imagem no lugar das palavras, para dizer o mesmo que van Eyck e eu: olhe para este detalhe do quadro:




















Aliás, van Eyck também registrou a própria presença na sua obra que, tal e qual a do espanhol, tem um espelho ao fundo, em que ele se reproduziu pintando a cena. Mas isso é tão minúsculo, que – insatisfeito – acrescentou a frase.












Eu, como em Madri, senti em Londres, ante um dos relevos do maravilhoso friso dos cavaleiros, do Pártenon - exposto no Museu Britânico - a mesma necessidade de fixar ali minha presença, embora de mero expectador. Mas no British pode-se fotografar, e o fiz:




















Isso me lembra uma declaração desesperada, também latina: “Fugit irreparabile tempus” – “O tempo foge, irreparável”. Daí as narrativas e descrições, além da pintura nas cavernas, da escultura grega, do Renascimento italiano, do impressionismo, da fotografia, do cinema, da tv. Daí não só a criação, mas a restauração de obras excepcionais ou de qualquer registro que tenha sido feito de nossa presença...




























... daí, também, as reconstituições históricas. Pela ânsia de permanência. Veja, por exemplo, o estado atual de uma das mais imponentes edificações do Império Romano;




























Foi juntando relatos da época em que o Colosseum foi criado, a ilustrações em mosaicos e a peças remanescentes...



... que o pintor e escultor Gérôme, no auge da revalorização da Roma clássica, considerada no século XIX como um protótipo civilizatório na História da Humanidade, fez estas duas obras:














































... e foi essa pintura sua que estimulou Ridley Scott a dirigir este épico...















... e disso vem minha pergunta: por que vi o filme tantas vezes?


Porque me transmitiu a sensação de que... quase estive (e quase estarei, quantas vezes quiser) no Coliseu dos tempos dos imperadores Marcus Aurelius e Commodus, tanto quanto concretamente estive, reverente, ante o manuscrito do “Yesterday”, do Paul MacCartney, e um esboço da “Sinfonia Pastoral”, de Beethoven, na Biblioteca Britânica, no fim do último século e milênio:





























Claro que, ante tais documentos ao vivo, senti o mesmo, suponho, que um autêntico cristão sente no Getsêmani ...














... ou quanto um maometano ante a pedra negra - Hajar El Asvad - da Caaba:















... no interior daquela tenda negra no centro da multidão, em Meca:












Mas por que o “estive aqui” elevado até ao sagrado? Porque – se não existe isso – o que fica de tudo é apenas A Bigger Splash - como no quadro de David Hockney: