sexta-feira, janeiro 28, 2011

O SUPEREGO VIOLENTO DE UMA NAÇÃO SEM PAZ

W. J. Solha

Na época do macartismo (os anos 40 e 50), de severa censura nos Estados Unidos, a 20th Century Fox – fundada pelo imigrante judeu William Fox -, encontrou nos filmes sacros (com as outras grandes produtoras judias) um modo de apresentar impunemente cenas de sexo e violência pra atrair o grande público, tal como se vê neste cartaz:



Na verdade é esse o grande macete do Antigo Testamento: falar de Deus e de seu Poder e de sua Fúria e Glória o tempo todo, mas sempre entre tantos incestos e adultérios, que parece ter sido assessorado pelo próprio Nelson Rodrigues. E com mais assassinatos e massacres do que no “Macbeth”, “Ricardo III” e “Tito Andrônico”, de Shakespeare, juntos.
Pra começar, lembro duas histórias parecidas, envolvendo mulheres a quem o povo de Israel deveu sua libertação em situações-limites similares: a de Jael (no livro de Juízes) e a de Judite, na parte das Escrituras que leva seu nome.

















Depois de uma batalha em que fora derrotado pelos judeus, Sísara, general dos exércitos de Jabin, rei de Canaã, foge a pé e se esconde na tenda de Jael, mulher de Háber Cineu. Ela o abrigou, deu-lhe leite, cobriu-o, assegurou-lhe que lhe daria proteção e, enquanto ele dormia...


Já a bela viúva Judite teve sua região, Betúlia, sitiada por Holofernes, general do rei Nabucodonosor, da Babilônia. Inspirada por Deus, ela foi – apenas com uma criada – até o invasor, e – caprichosamente adornada – participou de um banquete com ele, em que o militar bebeu até perder a consciência. E aí...






























De posse de seu troféu, foi exibi-lo à sua gente:


Bem. Quis começar este texto falando da violência do sexo “frágil” judeu. Mas o que dizer de Davi, que acalma o Rei Saul com a voz ..



... vive aos beijos com o filho dele, Jônatas, a quem ama mais do que a uma mulher..


... mas não hesita em combater e degolar Golias...





... nem em transar com Betsabé, a mulher de um de seus comandados – Urias - e de livrar-se dele mandando-o à frente de batalha, com recomendações de que ninguém o escolte, para que morra... e – muito menos – Davi não hesita, depois de derrotar os amonitas, em ordenar a seus homens que “passem por cima deles carros ferrados (munidos de foices) . E que os façam em pedaços com cutelos, e os botem em fornos de cozer tijolos. “

“Assim o fez em todas as cidades dos amonitas.”

Eis a ilustração de Gustave Doré pra essa barbárie nazista:


Davi teria sido exceção?

Nem pensar. Disse Samuel a Saul:


- Enviou-me o Senhor a ungir-te rei sobre o seu povo, sobre Israel; ouve, pois, agora as palavras do Senhor. Assim diz o Senhor dos exércitos: Castigarei a Amaleque por aquilo que fez a Israel quando se lhe opôs no caminho, ao subir ele do Egito. Vai, pois, agora e fere a Amaleque, e o destrói totalmente com tudo o que tiver; não o poupes, porém matarás homens e mulheres, meninos e crianças de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos.

Claro que o narrador bíblico põe as próprias palavras na boca de um Ser Superior. Ser que, entre os judeus, recebia os nomes de Jeová, Javé, Adonai, o Senhor Deus dos Exércitos Sabaoth, Criador de todas as coisas, etc. Um furioso deus tribal – Superego de sua gente - pra fazer frente às divindades de outras tribos e pra azucrinar sua própria raça.

Veja que absurdo, em Gênesis 6 - 6,7:

E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente.

Então arrependeu-se o SENHOR de haver feito o homem sobre a terra e pesou-lhe em seu coração.

E disse o SENHOR: Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito.

E o que foi que ele fez?


... destruiu quase toda a Humanidade no dilúvio:
















Não satisfeito, quando a viu voltando a crescer , novamente eivada de erros, destruiu Sodoma e Gomorra, desta vez pelo fogo:


E acontece outro absurdo: das duas cidades apenas escapa a família de Ló: ele, a mulher e as duas filhas.

Mas a esposa dele, ao contrário do que o Senhor exigira deles, volta-se pra olhar o extermínio uma última vez e é transformada numa estátua de sal. Tudo resolvido? Não. Uma das filhas diz à outra:













- Vem, demos a nosso pai vinho a beber, e deitemo-nos com ele, para que conservemos a descendência dele.

Ló, o único sujeito decente das duas cidades arrasadas pela indecência de seus habitantes, não conta conversa:












Bem, e eis que – no decorrer da história - o povo hebreu, que sempre esteve e estará em conflito com os outros, acaba sujeito ao faraó. O autor bíblico diz que Deus manda, então, Moisés falar com ele, mas nos reserva esta confidência, que está,em Êxodo 4: 21:

- Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó...


... e assim multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e minhas maravilhas.

Quais maravilhas? A série de pragas que transforma a grande potência num inferno:


... inferno que culmina com a morte de todos os seus primogênitos...

... inclusive o do homem que comanda a terra em torno do Nilo:

O Faraó, vencido, deixa o povo cativo sair de seu território. Mas em seguida, furioso, parte atrás dos judeus, para aniquilá-los:













É quando Moisés , ao se ver perseguido e sem saída, abre o Mar Vermelho – por ordem de Deus - construindo uma saída pra sua nação. Em seguida, quando o inimigo também entra pelo chão seco do oceano, ele faz um gesto e...




Isso basta? Não. Apesar de tal façanha de Deus/Moisés, grande parte de seu próprio povo continua renitente em sua falta de fé. E aí acontece o capítulo 32, do Êxodo. O grande líder desce o Sinai, trazendo as pedras com os Dez Mandamentos escritos pelo dedo divino, entre os quais o Não Matarás, e o que ele faz, ao dar com os tais infiéis adorando um bezerro de ouro?




Quebra as Tábuas da Lei e, diz aos que permaneciam de seu lado:

- Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: mate cada um a seu irmão, a seu amigo, a seu próximo.

E os filhos de Israel fizeram conforme a palavra de Moisés.

E CAÍRAM DO POVO, NAQUELE DIA, UNS TRÊS MIL HOMENS.

Você não acha que temos de colocar a Bíblia na parte da estante onde estão A Ilíada, a Odisséia e A Eneida – como retratos do pensamento e da literatura de uma era, nada mais, nada menos do que isso? Porque esse Superego não é nosso.

Um comentário:

Carlos Mello disse...

"O escritor Solha é brilhante e seu artigo pertinente, além de ricamente ilustrado. Só não posso concordar inteiramente com a conclusão, que só seria válida se fôssemos obrigados ao limite da chamada leitura literal. Orígenes comparava a Bíblia com uma noz, em que a letra é dura como a casca, a pele, onde repousam os preceitos morais, amarga, e finalmente a doce amêndoa, onde se encontra o sentido mais profundo transmitido pelo Espírito Santo. Considerando a postura intelectual honesta e franca do autor, aplaudo-o de pé; mas faço votos de que mergulhe mais fundo. Infelizmente já não temos um Orígenes para nos ajudar nesse mergulho. Se formos recorrer aos líderes espirituais cristãos de hoje, católicos ou protestantes, acabaremos desistindo de tudo e saindo pra um chope geladinho. O que é sempre melhor do que ser tomado por idiota e sofrer tentavias de empulhamento. É o que acho, salvo melhor juízo." Carlos