terça-feira, abril 26, 2011

O Espantalho

Do Blog J. P. Fontoura – O Portal

Ele tem tentado ser útil, mas em vão, pois não lhe ouvem!... Gritar pouco adianta, enfraqueceram suas cordas vocais, por isso só consegue murmurar muito baixinho na esperança de que o “tempo e o vento” levem seu murmúrio à multidão, na esperança de que reverberem sua voz já enrouquecida... Prenderam, também, seus braços para que não apontasse e suas pernas para que não andasse; encheram-lhe de palha e puseram-lhe “rotos trapos” para que aparentasse o que é... ...um espantalho... ...Mas na ânsia da maldade se esqueceram de lhe tirar a lógica e a razão através das quais ele vê, ele ouve e consegue se comunicar com a realidade...

Nos últimos tempos ele tem estado apreensivo com o que vê: corvos invadiram o milharal e, mancomunados com ratazanas e um séquito de ratos miúdos, saqueiam, indiferentes à sua presença e isto lhe dói muito, se sente imprestável e incapaz de lhes dar um pontapé no traseiro...

Não pode gritar; não pode bater panela; não pode soltar rojão; não pode pintar a cara... ...que inútil está se sentindo... ...que droga!... ...Mas Povo é assim mesmo... ...Oh! Perdão, eu quis dizer que espantalho é assim mesmo!...

Cansado de observar só o milharal ele resolveu espichar sua visão até mais adiante e constatou, sob uma nevoa turva, que sobem e descem uma rampa na casa grande da fazenda, onde se percebe que estão em constante festa num vai e vem frenético que lhe assusta.

De tempos em tempos ele percebe que o patrão, acompanhado da Capataz, recentemente nomeada, vem até o milharal com outras pessoas e ficam gargalhando de satisfação e murmurando sobre coisas estranhas que não consegue entender...

– Precisamos que fulano faça isso, que beltrano faça aquilo para que aqueles sicranos nos ajudem saldar os compromissos – Mas ele não entende bem quem, nem que compromissos são esses...

– Se não tivéssemos vencido pela terceira vez descobririam “tudo”... – ...O que foi que venceram?... ...O que será esse "tudo" a que se referem?...

Ele está muito assustado por se sentir inútil...

– Que droga!... Diz ele... – ...mas Povo é assim mesmo... ...Oh! Perdão, outra vez, mas que cacoete... ...quero dizer, que espantalho é assim mesmo!...

J. P. Fontoura

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