segunda-feira, abril 25, 2011

O JARDIM DE MINHA MÃE

Fábia Lívia

Numa manhã de orvalho, acordei com tanta saudade pensando em ti.

Olhei através das janelas do quarto em busca das tuas flores. Eram as mesmas flores e quase o mesmo jardim: faltava você perto de mim.

Lembrei dos tempos em que me contavas estórias e me ensinavas valores através das simples coisas do dia-a-dia.

Os anos se passaram, eu me lembro muito bem, ainda era uma garotinha encantada pelo fascínio das cores nas flores daquele mundo que parecia, então, sem fim.

Foram tempos de uma rara beleza, proporcionados por tua criatividade e carinho que eu traduzi com minha imaginação, em magia.

A beleza vista e interpretada pelos olhos de criança, preservada no coração em memória a ti, minha mãe, Arlira.

Era um jardim maravilhoso aquele jardim de minha mãe.

Alegre, colorido, vibrante!

Cheio de vida e de vidas.

Joaninhas

Abelhas

Mosquitos

Mariposas

Vaga-lumes

Besouros

Pintinhos

Percevejos

Borboletas

e também uma ema!

Estes eram parte dos habitantes reais ou imaginários do jardim.

Havia alguns que cantarolavam todo o dia, enquanto outros passavam despercebidos e em silenciosa atividade.

Silenciosa atividade? Perguntava a mim mesma.

Ainda criança e muito curiosa, queria saber:

- Quem é que vivia assim calado mas não quieto e sem ser percebido? Como era possível?

- Olhe bem ao seu lado, dizia minha mãe.

- Veja bem onde pisa. Viu só quanta beleza?

Eu parava em cada flor para apreciá-la e cheirá-la.

Minha mãe me acompanhava e dizia:

- Veja esses tons de cores tão diversas.

- Sinta que perfume, mas não ponha o seu nariz muito dentro das flores porque pode ter formigas.

- Ouça como canta bonito esse passarinho!

Era tudo maravilhoso, tudo era lindo àos meus olhos!

Encantada com as cores, eu queria levar comigo quase todas as flores.

Minha mãe me advertiu:

- não as arranque! Toque-as com delicadeza e de preferência apenas olhe bem para elas. Leve-as na lembrança para quando chegar em casa você desenhar e pintar o que viu.

- A natureza é linda. Ela tem o seu lugar certo para viver e crescer. Se ela esta bem aqui, deixe ela aqui ficar. Preserve-a!

- Mas quem vive escondido e calado por aqui? Insisti em saber. Vamos ver?

Ela sorriu e disse:

- Sim!

Num cantinho bem perto do muro, havia um buraco redondinho e escuro onde muitas formigas entravam silenciosamente carregando consigo pedacinhos de folhas picotadas.

Muito espantada eu fiquei a admirar, mas também a imaginar: por quê as formiguinhas podiam picotar as folhas e eu não podia levar comigo aquelas flores?

Sem resposta minha mãe me levou para dentro de casa dizendo apenas que não deveria tocar nas formigas.

Passaram-se dias e eu não me esqueci das formigas e nem das flores.

Fui às escondidas para o jardim e me enfiei por baixo das plantas onde encontrei lindos cachinhos de Begônias. Eram cor de rosa com pontinhos brilhantes à luz do sol.

Como pode ser tão bonita? De que é feita? E o que tem dentro, pensava eu.

Assim eu apertei uma por uma, abri e picotei todas elas para ver o que poderia descobrir.

Ao perceber o que acontecera com suas flores preferidas, minha mãe me perguntou o que eu achava que tinha acontecido. Eu respondi:

- Não sei, acho que foi uma formiga escondida durante a noite.

E ela então me respondeu:

- Ah, certamente! Mas "Deus vê a formiga preta, que numa noite escura, caminha sobre o mármore negro!"

Acho que foi neste dia que nasceu Lila*. Vestida com saia lilás ela passeia com sombrinha de renda à luz do sol do meio dia.

E viva Lila!

* Lila, a Formiguinha: bordado por minha mãe com linha varicot em pedacinhos de tecido. Parte das ilustrações (todas feitas por ela quando eu tinha 5 anos) que eu "ressuscitei" das traças e mofo e agora serão parte do livro de artista que estou fazendo em homenagem à ela.

3 comentários:

Mary Caldas disse...

Que lindo texto, Fábia e que bela homenagem à sua mãe. Arlira era muito querida e lembrada por D. Dalvinha que devem estar hoje sentadinhas numa aconchegante nuvem a conversar e bordar.
Um grande abraço, Mary

Viviana Gómez disse...

Que lindo recordar episodios de tu infancia. Más aún cuando han sido vividos junto a tu madre. Felicitaciones!!!!!!!

Fábia disse...

Mary e Viviana,
Muito obrigada. Fico muito contente em saber que gostaram!
Fabia