domingo, agosto 28, 2011

CANTATA BRUTA

W. J. SOLHA

O maestro Eli-Eri Moura convocou – há coisa de um mês - cinco outros pesos pesados da música erudita paraibana, compositores integrantes do Grupo Compomus – Marcílio Onofre, Didier Guigue, Wilson Guerreiro, Valério Fiel da Costa e José Orlando Alves - para a criação coletiva de uma cantata sobre a violenta vida contemporânea, a partir de uma seleção de histórias integrantes d´A Gigantesca Morgue, série de 126 minicontos que faz parte de minha História Universal da Angústia (Bertrand Brasil, 2005). Para tanto, terá orquestra, coro, atores e solistas disponibilizados pela FUNJOPE – Fundação Cultural de João Pessoa, estreia marcada para 29 de outubro, reapresentação no dia seguinte.

A GIGANTESCA MORGUE
Leonardo da Vinci aconselhava artistas plásticos principiantes a conhecerem, evidentemente, o que os mestres já haviam alcançado em sua área, mas fazia recomendação específica: a de que, em seguida, observassem a Natureza, sem intermediários. Fiz as duas coisas, como pintor. Como ator. E escritor. A Verdadeira Estória de Jesus, A Canga, Zé Américo Foi Princeso no Trono da Monarquia e Shake-up são meus livros “livrescos”. Mas foi a partir da vida que trabalhei em Israel Rêmora, A Batalha de Oliveiros, Relato de Prócula e (a sair em meados de setembro) Arkáditch. Leonardo sabia o que estava dizendo: o mundo, a Natureza tem sua própria estética. Flores, pavões, faisões e crepúsculos têm, quase sempre, cores deslumbrantes. As formas de um tubarão, de um cavalo árabe, de uma bela mulher nua... são irretocáveis. O mesmo ocorre com as “narrativas” da vida. Hemingway adquiriu seu estilo enxuto ao trabalhar como repórter. E foi em reportagens de jornais e revistas que li algumas das mais contundentes, comoventes, impressionantes histórias de minha vida. Daí que, um dia, resolvi colecionar os melhores relatos de violência encontrados em revistas e jornais, retrabalhando-os imediatamente como contos, juntando um total de mais de mil deles, em dez anos. Foram os Contos Reais, que publiquei semanalmente no jornal O Norte, durante bom tempo. Deles, escolhi cento e vinte e seis, quando montava minha História Universal da Angústia, para completar um universo que envolvia somente velhas épocas, como em minhas versões do Hamlet, Édipo, dos Gracos, das lendas do rei Saul e de Parsifal.

TÉCNICA UTILIZADA
Os verbos, nas reportagens, estão quase sempre no passado. Eu os trouxe, sempre que pude, para o presente. E elas têm o máximo de detalhes, para não deixar perguntas, observada a regra de ouro O que, como, quando, onde, por que? Já o conto tem como pressuposto o máximo de essencialidade. Como a escada, ele é o caminho mais curto entre o nadir e o clímax de um evento a ser contado. Também como uma escada, ele não pode ter degraus sobrando nem faltando. Daí que minhas 126 histórias ocupam apenas 74 páginas, uma média de 0,59 página cada uma. Mais importante, porém, é a fuzilaria de fatos brutais na mente do leitor, o que só é possível pela brevidade com que são passados... e pelo acúmulo deles. O efeito da primeiro, lido, é um. O do décimo, outro. O do centésimo...

ELI-ERI MOURA
Já tive muitas parcerias com ele. Doutor em composição pela Universidade McGill, no Canadá, junta impressionante criatividade e domínio absoluto da música, a uma extraordinária operosidade (eu já o vi desmaiar de estafa). E completa-o permanente serenidade, bom humor constante. Fez, para mim, as trilhas sonoras de minhas peças A Bátalha de OL contra o Gígante FERR e A Verdadeira Estória de Jesus, fiz para ele o texto complementar de seu belo Réquiem Contestado, os versos de Os Indispensáveis, o libreto de sua ópera armorial Dulcineia e Trancoso, mais o da operinha bufa Os Reis Simultâneos.

É a primeira vez, no entanto, que o vejo – com seus outros cinco notáveis parceiros – trabalhando diretamente sobre textos em prosa.






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