domingo, setembro 25, 2011

Piada sem graça



Martinho Moreira Franco



Há uma pergunta que não quer calar no escurinho da minha cabeça: por que é que, entra ano, sai ano, e não se faz no Cineport uma menção sequer ao nome de Ipojuca Pontes? O festival já está na quinta versão, tem homenageado, com justiça, cineastas e críticos que projetaram nacionalmente o cinema paraibano, mas o filme de Ipojuca não passa no espaço cultural da Energisa (ex-Saelpa) nem que o projetor tussa. Seria por que, no governo Collor, ele queimou o filme da Embrafilme? É possível. Aliás, é até provável. Mas isso seria lá motivo para ignorar a contribuição de Ipojuca ao cinema paraibano? Além do mais, ele já não apresentou os motivos que o levaram a promover a extinção da Embrafilme?

Palavras suas: “Tentei modificar os vínculos estabelecidos pela ditadura militar e a Nova República de José Sarney entre os órgãos da cultura oficial e uma elite intelectual viciada nas benesses subtraídas dos cofres públicos, e subtraídas a muque do bolso do trabalhador e dos empresários. E encaminhei ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 5/91 (à disposição dos historiadores nos anais daquela Casa) que propunha, para produções de obras cinematográficas, isenção fiscal sobre ganhos decorrentes de transações realizadas em mercado, organizadas via Comissão de Valores Mobiliários (Bolsa) – base da Lei do Audiovisual vigente no país e que pretendia, então, retirar a produção cinematográfica das garras do controle político/ideológico da burocracia estatal.”

Tudo bem, pode-se discordar da extinção da Embrafilme, e dos motivos apresentados por quem a promoveu, mas daí a fazer de contas que o filme de Ipojuca Pontes não existe, francamente, é exibição de intolerância – reprisada pelo Cineport e por outros eventos do gênero realizados na Paraíba. Logo na Paraíba, cujo cinema (inclusive a crítica cinematográfica) tanto lhe deve. Entre os anos 1960/1980, por exemplo, Ipojuca tornou-se um dos cineastas brasileiros mais atuantes, presença marcante em dicionários e enciclopédias, produzindo e dirigindo mais de uma dezena de filmes, alguns selecionados para representar o Brasil nos festivais de Berlim e Cannes, outros distinguidos nacional e internacionalmente.

Para quem não se lembra, ou mesmo não sabe, é o caso dos documentários “Os Homens do Caranguejo”, “Poética Popular”, “Cidades Históricas”, “Rendeiras do Nordeste”, “Portrait of Vaquero” e dos longas-metragens “Canudos”, “A Volta do Filho Pródigo” e “Pedro Mico”, premiados, respectivamente, nos festivais de Brasília, Mar del Plata, Firenzi, Bilbao. Lajes, Cabo Frio, São Paulo, Gramado, Tessalônica (Grécia) e Nova Delhi. Só “Os Homens do Caranguejo” obteve nada menos que 9 troféus no Brasil e no exterior. “A Volta do Filho Pródigo”, seu primeiro filme de ficção, colheu 15 prêmios representando o Brasil em festivais internacionais na Grécia, na Índia e na Alemanha.

Mas a contribuição de Ipojuca não ficou por ai. Como sabe escrever, firmou-se como crítico e ensaísta de cinema, exercendo durante vários anos a crítica cinematográfica nos jornais “O Norte”, “Diário de Pernambuco” e “Diário Carioca”. Mais que isso, foi responsável pelas adaptações e roteiros de filmes como “Mientras la Tierra Arde”, “Um Edifício Chamado 200”, “A Compadecida”, “A Cabra na Região Semi-Árida” e o “Valente Vilela”, este, merecedor do Prêmio de Melhor Roteiro do Instituto Nacional de Cinema (INC). Na TV Educativa do Rio, foi um dos membros do seu Conselho de Criação, bem como debatedor e comentarista dos programas “Sem Censura” e “Revista da Semana”, de Fernando Barbosa Lima.

Por conta de sua sistemática atuação em congressos, seminários e entidades de classe (pertenceu ao Conselho Deliberativo da Cooperativa Brasileira de Cinema e foi um dos criadores da União Nacional dos Produtores Independentes, Associação Brasileira de Cineastas e da Associação Brasileiras de Documentaristas, ABD) escreveu em 1987 o livro “Cinema Cativo”, conjunto de reflexões sobre a miséria do Cinema Brasileiro publicado pela Emediato Editora, de São Paulo, e ainda a peça teatral “Brasil Filmes Sociedade Anônima”, sobre os meandros éticos do nosso cinema, uma das vencedoras do XII Concurso Nacional de Dramaturgia do Instituto de Artes Cênicas.

E, logo na Paraíba, repito, num festival de cinema de língua portuguesa, não se faz, ao longo de cinco anos, uma menção sequer ao nome de um cineasta com esse perfil?! Contando lá fora, parece piada de português. Daquelas que não têm graça, bem entendido.

Um comentário:

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Hugo,

Parabéns ao autor do texto.Reconhecer e valorizar é também uma forma de gratidão.
Quem sente o que diz, vive o que pensa. Abraço. Márcia