domingo, setembro 18, 2011

Rodolfo Mayer, Gumercindo Tavares e "As Mãos de Eurídice"





Hugo Caldas



Semana passada, em crônica sobre a despedida dos meus netos, me referi ao dramaturgo Pedro Bloch, autor de várias peças de teatro, dentre elas, talvez a mais famosa, "As Mãos de Eurídice", considerada o primeiro monólogo interpretado no teatro brasileiro.

O monólogo teve sua estréia em 1950, no Rio de Janeiro, com o ator Rodolfo Mayer. Foi um sucesso imediato e logo a peça passa a ser apresentada pelos teatros Brasil afora, para em seguida percorrer outras tantas casas de espetáculos no exterior. Foram contabilizadas cerca de 800 mil apresentações no total. Houve inclusive uma temporada da Broadway, quando foi encenada uma versão em inglês com o título de "Conscience" no Booth Theatre, em 1952.

Rodolfo Mayer praticamente forjou a sua carreira artística na interpretação do papel de Gumercindo Tavares, o fio condutor de toda a trama. Além dele, o espanhol Enrique Guitart também a encenou por cerca de três mil vezes. Na Inglaterra, o monólogo foi produzido por Sean Connery, o popular Agente 007.


Rodolfo Mayer

A peça narra as aventuras e desventuras de Gumercindo Tavares que, apaixonadíssimo pela bela e jovem Eurídice decide abandonar a família e fugir com o seu amor para os cassinos de Mar del Plata, na Argentina. Lá ele a cobre de mimos e jóias. Jogam freneticamente. Ela, por sua vez, acaba com a fortuna de Gumercindo levando-o à bancarrota. Tentando reverter a situação, Gumercindo propõe vender as jóias. Eurídice não aceita. Após sete longos anos, Gumercindo retorna arrependido à sua família. Mas a família já não mais existe. A esposa tem outro em seu lugar, a filha casou, e o filho havia morrido tuberculoso. Um belo dia, Eurídice reaparece, novamente Gumercindo sugere a venda das jóias e mais uma vez ela se recusa a devolvê-las. Gumercindo então, em gesto extremo, a mata. Uma bela trama.

Em meados da década de cinqüenta, Mayer trouxe a peça ao palco do Theatro Santa Roza. Eu chegado recém ao mundo teatral assistia a mil e uma encenações, me enfronhando nos mistérios daquele ambiente desconhecido. Tudo era novidade. Rodolfo Mayer, então! Eu havia participado da montagem de uma peça e recebia muitos elogios, as pessoas achavam que eu era um bom ator. Comecei a pensar que realmente o era. Decidi conversar com ele. Que conselhos daria a um jovem ator que apenas se iniciava no mundo do teatro? Combinamos nos encontrar no hall do Paraíba Hotel, onde se hospedara, na parte da tarde, perto das 4 horas. Às quatro em ponto lá estava eu à sua espera, no foyer. A primeira coisa que disse foi:

- "Olha, meu rapaz, teatro não se ensina, não vou lhe dar conselhos sobre o que se deve ou não fazer. Depende de você, unicamente. Agora, observe as pessoas. Observe como elas falam, andam sentem e sofrem. Observe o mundo ao seu redor. Essa a função básica do ator, observar. Não existe escola melhor".

Realmente, daí em diante, comecei então a observá-lo. Fomos descendo à pé, pela Guedes Pereira ("que tinha coisas de admirar - subindo Bar Querubim...descendo Querubim Bar") em direção ao Santa Roza.

Observei então que era absolutamente impossível tentar separar Rodolfo Mayer de Gumercindo Tavares, quando se tem a consciência de que ele atuou durante vinte anos no monólogo de Pedro Bloch. Mayer chegou a encenar "As Mãos" por mais de quatro mil vezes.

Observei que ele já estava àquela hora, vestido com a roupa de cena. No paletó cartões de visita... "Gumercindo Tavares, escritor". Observei então, estupefato, que aquele tipo alquebrado, cambaio, já havia "encarnado", (com a devida licença, espiritistas), o personagem. Eu não estava em companhia de Rodolfo Mayer e sim, de Gumercindo Tavares.

Ao chegarmos, pediu que ninguém o incomodasse no camarim por exatos 35 minutos. Deitou-se no próprio chão em forma de cruz e ali ficou. Ao final dos exatos 35 minutos chamou por mim, a fim de mostrar uns exercícios faciais que estava desenvolvendo. Mil caretas foi o que me pareceram os tais exercícios. Em seguida, exercícios para melhorar a tonalidade da voz. Ruídos incompreensíveis.

Não perdi, daí por diante, uma encenação sequer. Segui o meu destino no mundo do teatro por mais de 12 anos. A despeito da pesada máscara teatral, Rodolfo Mayer era uma pessoa doce e fraterna. Belíssimo ator.

4 comentários:

Jorge Zaupa disse...

Diga onde ele nasceu?
Não foi ele o ator principal de 'UMA VIAGEM AOS SEIOS DE DUILIA'?

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Hugo,

Quantos fatos curiosos e interessantes vc tem para contar. Que material! Abraço. Márcia

Nazareth Xavier disse...

Pôxa, Hugão, que capacidade tem vc de me causar emoções!!!... Sabe, tenho até hoje o cartão que recebi, na platéia, de Rodolfo e em sua homenagem, o meu papagaio chama-se Gumercindo Tavares. As pessoas acham interessante pq ele tem nome e sobrenome e eu tenho que explicar o porquê. Só não gosto quando minhas netas o chamam de Gugu. É essa mania da garotada querer simplificar tudo... Já falei: nem é Gugu nem simplesmente Gumercindo. É Gumercindo Tavares.

Um beijo Camurim. Obrigada pelas gostosas lembranças. Nêga Naza

Jorge Duarte disse...

Grande Hugo
Lembro muito bem da aventuras do Teatro do Estudante. Você vestido de preto debaixo de um foco de luz gritando bem alto: Perdão, soldados da Falange!
Lembra desse espetáculo? Hoje moro no Espirito Santo mas jamais esqueço a terrinha. Diga a ess moça Nazareth que eu também tenho um cartão do Gumercindo Tavares.
Jorge Duarte