quarta-feira, janeiro 25, 2012

Encangando Grilo






W. J. Solha



1) Na mesma semana em que fico sabendo que o longa pernambucano “O Som ao Redor”, do Kléber Mendonça Filho, de que participei como ator, vai ter estreia no próximo 3 de fevereiro, no Festival Internacional de Cinema de Roterdã, dou por terminado o poema longo “Marco do Mundo”, depois de um pouco mais de três anos de trabalho. Foi um alívio ler as 73 páginas de versos contínuos sem parar para corrigir nenhum deles.

2) Frequento o youtube. Vi, hoje, com novos intérpretes e direção, o sexteto do segundo ato da ópera “La Cenerentola”, de Rossini - Questo è un nodo avviluppato – extremamente sonoro, divertido e engenhoso. Se quiser, acesse http://youtu.be/ZZkxDsPF1EY

3) Esdras do Nascimento, nesta mesma semana, me mandou do Rio as primeiras 227 páginas de seu novo romance, que – segundo ele – terá umas mil. Ele, aí, me põe com um ator convidado a participar de uma novela, que teria trilha sonora do Eli-Eri Moura. Esdras entusiasmou-se com os trabalhos do nosso compositor, que viu no youtube. Mandei o “Réquiem para um trombone” para ele e para o poeta e tradutor Ivo Barroso, também do Rio, que falou diretamente pelo telefone com o Eli-Eri, para cumprimentá-lo. Se quiser conhecer essa obra, acesse http://www.youtube.com/watch?v=MATosG44kYA.

4) Li os originais do livro de contos – “Varadouro Varadouro” - com que Astier Basílio ganhou um dos prêmios do concurso literário José Lins do Rego, recentemente. Astier é Astier. Gostei principalmente de uma das estórias – “Fantasmas”.

5) Algum tempo atrás, uma dupla de performáticos cariocas – Joelson Gusson e Leonardo Corajo - me pediu autorização para utilizar partes de meu poema longo “Trigal com Corvos”, editado em 2004, num espetáculo que se chamou “Manifesto Ciborgue, do qual v. pode conferir um dos trechos em http://www.youtube.com/watch?v=fI6jAQJXmy0.

De repente, recebo a notícia de que “Cyborg Manifesto” participou em outubro do 16th International Festival of Performing Arts – de Praga. Confira em
http://www.ctyridny.cz/pages-festival/divadla/joelson-gusson-en.htm

6) Já li não sei quantas vezes que o jovem Johann Sebastian Bach viajou 400 km a pé pra ver um concerto de Buxtehude, e que o entusiasmo que teve na ocasião foi tanto, que enroscou em Lübeck por três meses, a fim de captar o que pudesse do mestre. Um dia destes me ocorreu lembrar que jamais ouvira nada de Buxtehude. Fui ao youtube e, entre muitas outras coisas, vi o que para mim é a matriz da imensa, absolutamente genial Tocata e Fuga em Ré, de Bach, em http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&NR=1&v=gjHkzqSOxnw

7) Isto é uma trepadeira ninho-de-passarinho.


Há poucos dias, vi o vaso com uma folhagem dessa, que temos no jardim lateral daqui de casa, amarfanhada no meio de outras. Tirei-a dali e coloquei-a sobre a quina de uma jardineira, como que entronizada, alta e livre. Meia hora depois, tive a surpresa: ela se expandira toda, feito cauda de pavão. Fiquei pensando que aconteceu o mesmo comigo ao me ver em Pombal, no alto sertão paraibano. De repente me vi, lá, lendo alucinadamente, fazendo literatura, teatro e cinema. O mesmo me aconteceu quando me vi no elenco de “O Som ao Redor”, no Recife. Conclusão: todos os seres vivos precisam de espaços propícios. Todos.

8) Por falar em plantas, quando fui fechar uma das quatro vidraças basculantes da janela de meu gabinete, um dia destes, vi que – se não tomasse cuidado – guilhotinaria várias cabeças de samambaias da jardineira que fica do lado de fora. Foi quando olhei pro final espiralado das mais jovens e – “Será possível?” – fui ao Google, acessei “imagens” e digitei “Báculo”. A tela do monitor se encheu com cajados de bispos e de papas, junto de homônimos terminais de samambaias.


Báculo: diz-se das folhas jovens das samambaias que, enquanto em formação, apresentam-se enroladas, formando uma espiral perfeita. O termo samambaia vem do tupi-guarani (Ham ã'bae), "aquele que torce em espiral".

Báculo é um tipo de cajado de pastores para se apoiarem ao andar e para conduzirem o rebanho. Muitas vezes tem a extremidade curva para segurar a rês pela perna. Simbolicamente, refere-se a um bordão usado pelos dignitários da Igreja, pastores do rebanho divino. Com a mitra, constitui uma das principais insígnias dos bispos.

É interessante o fascínio dessas pequenas “revelações”. Como quando me toquei no significado de “avental” ao ver seu equivalente em espanhol: “delantal”.

9) A morte vai me mandando recados.

Primeiro deles:

Como já andei contando por aqui, quando fui fazer o teste para integrar o elenco do longa pernambucado “O Som ao Redor”, do Kléber Mendonça Filho (esse que será lançado agora, em Roterdã), sonhei com meu pai – que morreu em 92 - de pé no vão da porta de meu quarto, de pulover e paletó, dizendo-me, sem tirar as mãos dos bolsos: “Está na hora”. E eu: “De quê? De morrer?” E ele: “É.” “Quer dizer que não vou fazer o filme.” “Vai, mas não vai assistir.”

Segundo:

Eli-Eri Moura e Lu Maia tanto fizeram, que foi montada uma grande homenagem pelos meus setenta anos, em 29 e 30 de outubro, no Espaço Cultural, com direito a uma exposição de meus quadros, um debate sobre meus livros e à estreia da Cantata Bruta (em cima de contos de minha “História Universal da Angústia”, música de Eli-Eri – que dirigiu o projeto – mais Marcílio Onofre, Wilson Guerreiro, Didier Guigue, Valério Fiel da Costa e José Orlando Alves). A coisa me soou como uma bela despedida. Na estreia foi lançada a revista Correio das Artes, que, pelos mesmos meus 70 anos, me fez matéria de capa:

Terceiro:

No finalzinho de dezembro, recebi ligação do Jornal da Paraíba, convidando-me para dar uma de modelo fotográfico: eu seria o ano velho despedindo-se de um garoto, que seria o ano novo. Foi uma sessão longa com o fotógrafo Francisco França, na areia da praia defronte à Fundação Casa de José Américo. Como costuma acontecer nesses casos, foram feitas várias versões sobre o tema e uma série de improvisos... dois dos quais foram os aproveitados: na capa do diário e na do caderno 9.

10) Ágatha Barbosa, que fez a personagem-título do curta “Antoninha”, do Laércio Ferreira, rodado lá no sítio Acauã, de Aparecida, sertão da Paraíba, ganhou o prêmio de melhor atriz nos festivais de Taquaritinga, Pernambuco, e Bagé, Rio Grande do Sul. Fiz o Coronel João Bezerra Wanderley, que ela – maliciosamente – manipula. Nasceu, realmente, pra coisa. E o filme – negligenciado na Paraíba - foi o segundo melhor curta do FestNatal. Gosto desse primeiro trabalho de ficção do Laércio. O roteiro é tão sutil, que fui participar das filmagens, mesmo me sentindo, na época (dezembro de 2010) completamente esgotado, fisica e mentalmente, como se vê – aliás – no cartaz do filme:


11) Incomodaram-me, ao longo da vida, uma série de coisinhas absolutamente sem lógica, mas com espaço assegurado entre a mídia e o povo. 1) Irritava-me, quando trabalhava em publicidade (GCA e Real Propaganda), a obrigação de encher os VTs com aquelas malditas letrinhas tão, mas tão miúdas, que ninguém – jamais – poderá ler. 2) Impressionava-me, quando menino, a multiplicidade de Virgens pelo mundo afora, como se se tratasse, cada uma, de uma personagem diferente, algumas “com muito mais poder” que as outras. De Lourdes, Consolata, de Copacabana, de Loreto, Aparecida, Medjugore, etc, etc. Conheci o Santuário de Fátima, em Portugal, há uns quatro cinco anos: seu altar é um gigantesco mural folheado a ouro!



3) Nunca vi bandido com tanto direito como agora. E bêbado atropela e mata seis? Fica por isso mesmo: recusa-se a fazer o teste do bafômetro (tem amparo legal pra isso) depois paga uma fiança e tchau! Político pilhado roubando? No máximo – se a imprensa der em cima – perde o cargo (e lhe dão, imediatamente, outro). A fronteira está toda escancarada para drogas, contrabandos, armas? Temos que ser bonzinhos com o Paraguai (onde está Itaipu, que é nossa, não sei até quando), daí a zona franca de Ciudad del Este, que só perde pra de Miami e Hong Kong, garantindo metade – isso oficialmente - do PIB de los hermanos. 4) Burocracia é algo que teve um ponto de partida lógico, que se perdeu no tempo. Como “formidável”, que se tornou “maravilhoso!”, tal qual o “terrific”, do inglês. Assim me parece a ala das baianas em escolas de samba do Rio, mesmo que o tema seja Ariano Suassuna ou as viagens espaciais. 5) E aquela besteira do William Bonner, de tentar fazer parecer com que ele próprio e a Patrícia Poeta (antes Fátima Bernades) estão conversando, não lendo a notícia no teleprompter?

12) Depois de ler o magnífico “Barroco”, de Affonso Romano de Sant´Anna, (Comunicação Máxima/Bradesco, 1997) e seu “Desconstruir Duchamp” (Vieira & Lent, 2003) - em que fiquei impressionado pelo seu libelo contra a arte de má qualidade que predomina atualmente nos museus e galerias do mundo todo - surpreendo-me com uma declaração dele, no início de sua “Estória dos Sofrimentos, Morte e Ressurreição do Senhor Jesus Cristo na Pintura de EMERIC MARCIER” (Edições Pinakotheke, 1983) :

- O que fazer diante dessas cores, diante dessa pintura, eu que sou daltônico de nascença.

Um comentário:

W.J. Solha disse...

Você é, realmente, um lutador, Hugo. Ficou beleza. O Kléber Mendonça Filho viajou ontem pra Roterdã. O Som ao Redor passa, no festival, nos dias 1 a 4 de fevereiro. Que ele volte de lá coroado de louros. Ficarei com alguns pra pôr no feijão do meu banquete.