domingo, maio 27, 2012

Um Beijo de Maysa

Hugo Caldas

Hoje eu estou nostálgico que é uma beleza. O túnel do tempo me levou para o final da década de 50. Para 1958, se não me falha a memória.

Exatamente por essa época, nós do Teatro do Estudante da Paraíba estávamos a ensaiar o "Auto de João da Cruz" de Ariano Suassuna, para participação no II Festival Nortista de Teatro Amador aqui em Recife. Peça pesadíssima, belíssima para a leitura. Colocar tudo aquilo no palco seria, como terminou sendo, uma aventura... Ariano, vindo na esteira da consagração de "O Auto da Compadecida" estava animadíssimo. Mas a história é outra.

Pois muito bem, Maysa veio a João Pessoa para um espetáculo (ninguém falava em Show, naquela época) no Santa Roza e tinha seu ensaio com passagem de som, luz etc, à tarde no palco principal. Fomos despachados para ensaiar no porão. A direção era de Clênio Wanderley, diretor magrelo que gostava de dar uns histéricos quando nós, pobres atores, não correspondíamos às suas expectativas. Era grito em todo mundo e naquele momento específico eu era o alvo da ira incontida de Clênio, que adorava "se mostrar" quando alguém nos visitava. Inesperadamente, não mais que de repente, como no poema eterno, nos aparece descendo a escadinha de madeira, uma deusa meio cambaleante, garrafa de uísque na mão, cigarro no canto da boca que apiedando-se de mim diz para o histérico diretor:

- ”Não faz assim com o garoto...”

Eu nem era tão garoto assim. Apenas um ano mais moço do que ela. Claro que o ensaio terminou por ali. Ficamos todos sentados ao seu redor enquanto ela bebia alguns tragos e cantarolava "Meu Mundo Caiu", "Ouça” e vários outros sucessos. Ao sair, virou-se e ao pé da escada nos olhou (ah, os olhos de Maysa) demoradamente como numa bela marcação de teatro. Antes que ela subisse eu dei de garra de uma incipiente caneta esferográfica Compactor e pedi-lhe um autógrafo. Por causa da emoção não encontrei um mísero pedaço de papel. Ela então escreveu no meu antebraço esquerdo:

"Um Beijo, Maysa." Passei uma semana sem lavar o braço.

7 comentários:

W.J. Solha disse...

O que você nos conta é uma daquelas passagens dos deuses entre nós.

Os detalhes do cigarro e dos olhos de Maysa, o da garrafa de uísque: notáveis

W. J. Solha

Aline Alexandrino disse...

Mantendo a onda de nostalgia, o blog de hoje está SUPIMPA!!! Aline

Unknown disse...

Em Prosa e Verso...

“Hoje tu estas nostálgico que é uma beleza. O túnel do tempo te levou para o final da década de 50. Para 1958, se não te falha a memória”.

Oh amigo Hugo! Nostalgia só é reconfortante, para nossos espíritos, quando em forma de saudade, senão é melancolia ou estado de tristeza sem motivo... ...Mas se tua vida foi tão intensa, como afirmas, e pelo que me parece ainda é, por que melancolia em lugar de só saudade “Dos Olhos e do Beijo de Maysa, se considerarmos que o...

...Nosso Passado...

Ora! Mas o que somos
se não partes do passado...
Sobra de nossa matéria;
o todo de nossa alma e
um tanto de nosso caráter,
que nos acrescentam,
não nos dividem, pois
somos soma de pedaços,
que serão, num futuro,
um derradeiro presente:
resto de nossa matéria,
nossa alma inteira e
soma de nosso caráter.
Pretéritos perfeito ou
imperfeito, não sei se
mais-que-perfeito!...

Delmar Fontoura.

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Hugo,

A lembrança de momentos assim renova a emoção. Abraço. Márcia

Celso Japiassu disse...

Amigo Hugo, andas muito bom escritor. Teus textos conseguem o quase impossível: melhorar um depois do outro. Excluo a política, por suposto.

Solange Barcellos disse...

Olá meu caro primo ,lí seu blog e não tinha como também ficar nostálgica.Final de
domingo,tarde fria,você lembrando as músicas de Maísa,Dick Farney,1958,eu estava curtindo uma dor de cotovelos daquela! Tenho alguns LPs daquela época ,não dou ,
não vendo. Sentir saudades de coisas saudavéis é bom! Abraços Solange

Huguinho disse...

Maysa, A Maysa? Meu pai, és um felizardo. Seus recuerdos são deliciosos de se ler e ouvir.