quinta-feira, janeiro 31, 2013

O barulho do mundo

Téta Barbosa

- Um chiado. Um grande e constante chiado. Tipo um chuvisco, sabe?

Sei. Sei demais. E sei que a descrição acima não é de uma televisão com o canal fora do ar, nem do ruído de chuva forte em teto de zinco. É o barulho do mundo.

Um barulho uniforme e constante.

Não se distinguem palavras, pelo menos não palavras específicas, não se escutam sirenes, muito menos portas de carro batendo. Só um chiado, um murmúrio de todas as bocas com todas as palavras enquanto tocam todas as sirenes e batem todas as portas (dos carros e dos quartos).

Ouvir o barulho do mundo é fácil, basta fechar os olhos. No trânsito, na escola, no shopping, na festa, em casa, inclusive. Basta fechar os olhos e ouvir o ruído que o mundo faz.

Claro que ninguém anda por aí, de olhos fechados, fazendo teste de audição global. É sempre preferível escutar o que lhe estão dizendo ao pé da orelha, ou a porta que está batendo ali, no apartamento do lado.

Por isso estranhei quando Rafael, aqui da produção, avisou que ia se operar do ouvido, e por isso ficar sem trabalhar nos próximos dias, para tirar um chiado que lhe acompanha há quatro anos.

- Um chiado, Rafa?

- Sim, um chiado. Já fui a quatro médicos e ninguém sabe do que se trata.

- É o barulho do mundo, Rafael!

- Prefiro o silêncio, Téta.

O fato é que o chiado persegue o rapaz desde um acidente de carro e, só agora, os doutores resolveram fazer uma operação exploratória. Pode ser que daqui a dois dias ele acorde num silêncio digno de fundo de piscina, sem nenhum barulhinho sequer, numa paz que a gente só vê em fotografia. Pode ser, no entanto, que Rafael desperte com seu companheiro de todas as horas, o chiado.

Deve ser difícil dormir e acordar com o mundo fritando em chapa quente, como se fosse um pedaço de bife no óleo de soja. Mais difícil ainda deve ser saber que o mundo não diz muita coisa. Chia, murmura, fato, mas não diz nada, digamos assim, relevante.

A ideia da operação exploratória poderia, muito bem, servir ao mundo. Exploraríamos, de perto, quem diz o quê, que incêndios vão ser apagados pelas sirenes dos bombeiros, que portas são batidas por adolescentes rebeldes ou que brigas conjugais fizeram a esposa bater, tão bruscamente, a porta do carro do marido.

De perto, talvez, o mundo tenha o que dizer e o chiado vire poesia, o barulho vire música, o ruído se transforme em silêncio.

Ah, o silêncio.

Téta Barbosa é jornalista, publicitária, mora no Recife e vive antenada com tudo o que se passa ali e alhures. Escreve sobre modismos, modernidades e curiosidades. www.batidasalvetodos.com.br

Um comentário:

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Téta Barbosa,

Achei super interessante o texto!Dá para imaginar tantas e tantas situações...Parabéns! Abraço. Márcia