terça-feira, fevereiro 26, 2013

UMA TRIBO COMO NUNCA SE VIU NA HISTÓRIA DESTE PAÍS - Parte 2


O que admiro no meu amigo David Hulak é a sua capacidade em desaparecer por uns tantos séculos, um belo dia reaparece e com a cara mais limpa desse mundo vai dizendo: "Vamos escrever uns troços aí?" Com o insólito convite aludia o meu caro amigo à nossa experiência com a "Tribo - Empreendimentos e Participações Ltda". Concordei, contanto que ele ficasse com a responsabilidade de escrever a primeira parte, ou seja, relatar o fato histórico e eu tentaria mostrar a convivência com a constelação de astros de primeira grandeza que viraram nossos sócios. Até porque estava o locutor que vos fala com uma cirurgia de catarata marcada. Agora, depois do vendaval e já enxergando direito vamos ao resto da história.

Tudo o que o David expôs na primeira parte dessas aventuras está certinho como dois e dois são cinco. Li e reli. O referido é verdade e dou fé... Veja a primeira parte clicando aqui.

No entanto, a fim de me situar adequadamente nos acontecidos, devo levá-los em viagem no tempo até os idos de 1967, ano em que produzimos o show "O Samba, a Prontidão e Outras Bossas", (título de um samba do Noel Rosa) nossa primeira empreitada de grande porte. O acima citado espetáculo foi escrito em um fim de semana pelo David juntamente com nosso amigo Paulo César Batista de Faria, vulgo Paulinho da Viola, sentados ambos na calçada lateral do Teatro Popular do Nordeste (TPN de saudosa memória) enquanto miríades de pessoas e muitas criaturas subversivas passavam para o bar que havia no quintal do teatro.

Vamos pois ao elenco: Paulinho da Viola, Zélia Barbosa, Paulo Guimarães, (do Grupo Construção), Naná Vasconcelos e, fazendo às vezes de apresentador, fio condutor do roteiro alinhavando diversas histórias, com as diversas músicas, estava um negão simpático de nome Ademir que havia dado com os costados por essas bandas desembarcando do espetáculo "Édipo Rei" com Paulo Autran, Isabel Ribeiro e grande elenco, se não me falha a memória, e por aqui ficou.

Vejam vocês como as coisas acontecem:

Tudo corria às mil maravilhas, ensaios, texto sendo aprimorado, a expectativa da estréia na segunda-feira, quando no sábado Naná Vasconcelos, fala displicente: "agüenta aí pessoal, que eu vou ali no Teatro do Parque pegar umas baquetas novas e já volto". E desapareceu no oco do mundo. Até hoje! Conseguimos resolver o problema com a providencial entrada de um jovem baterista chamado Luciano Pimentel que mais tarde faria parte da formação do Quinteto Violado.

Noite da estréia, o habitual nervosismo...

Blackout. Spot em cima do Ademir que inicia apresentando o elenco, fulano, sicrano, beltrano e ... Paulinho da Viola. Luz em Paulinho que dá um forte acorde inicial com a sua "viola". E pum! O bordão partiu, quebrou. A cara do Paulinho nessa hora foi um desconcertante susto em plena cena aberta. Teve que trocar de violão com Paulo Guimarães e conseguimos levar o espetáculo à um final feliz. O show transformou-se no sucesso da temporada. Estávamos com a pauta de quatro segundas-feiras o que equivalia a um mês e ficamos em cartaz por cinco meses.

Tudo devidamente relatado passo a descarregar o que veio após isso tudo.

Uma série de shows do Paulinho e conjunto do qual faziam parte gente como Cesar Faria, Copinha, Cristóvão Bastos, o baterista Hercules, o baixista Dininho e Chaplin o percussionista. Já sentiram que à essas alturas precisaríamos de um espaço maior, como o Teatro do Parque, auditório da TV Jornal do Commércio, Teatro Santa Roza na Paraíba. O responsável pelo som era eu e quando do aparecimento da Radio Transamérica FM cujos estúdios se encontravam em um prédio a menos de um quarteirão do teatro, era um Deus-nos-acuda. A força da transmissão era tal que invadia o equipamento de som. Tentávamos blindar com papel laminado, mas era em vão. Certa vez Paulinho interrompeu a canção dizendo, "deixa a colega fazer o trabalho dela". Era a Maria Bethânia cantando Três Apitos, de Noel. Em uma das viagens para apresentações em João Pessoa ao chegarmos nas redondezas de Goiana, alí pelo que resta da Mata Atlântica, o Paulinho juntamente com o pianista Cristóvão Bastos pediram para pararmos um pouco e se embrenharam mata adentro. Após mais de uma hora, eu já estava desesperado para chegar em João Pessoa e montar o som, eles finalmente voltaram com um belo choro composto, ainda quentinho. À noite no Santa Roza "Choro Negro" estreava.

Tudo isso entremeado por inúmeras reuniões com o pessoal da Tribo e a Diretoria da Rozenblit. Passamos a freqüentar com mais constância a sede da Fábrica na Estrada dos Remédios a fim de nos inteirarmos da real situação. As coisas não andavam nada fáceis. Zé Rozenblit era uma pessoa magnífica, mas muito centralizador e acima de tudo muito desorganizado. Certa vez, na tarefa inglória de separar algumas dívidas mais prementes dei de cara com um papel de embrulho, já bastante gasto pelo manuseio, onde se lia a seguinte inscrição: Paulo da carne - devo CR$ 10,00! Quem salvava realmente a situação era o compositor e grande músico, amigo da fábrica e de José Rozenblit, Lourenço Barbosa, o Capiba. Contava inúmeras histórias com a sua língua meio travada, uma simpatia.

A verdade é que a fábrica dispunha de um grande acervo de fonogramas do selo Capitol, já em domínio público, verdadeiro patrimônio, que se devidamente reeditados tirariam tranqüilamente a empresa do buraco em que se encontrava. Consta que quando a Rede Globo colocou no ar uma novela chamada "Estúpido Cupido", teve que pagar à fábrica uma fábula para ter o direito de usar a musiqueta, tema da história, na voz de Cely Campêlo.

Às vezes nos deslocávamos até o Sul Maravilha o que nos dava a oportunidade de além das reuniões conviver mais de perto com os nossos sócios e agregados como o músico Mauricio Tapajós. Aliás sobre o falecido Mauricio será preciso contar um pileque homérico que nós dois tomamos em um hotel da orla de Boa Viagem. Lá pras tantas ele cismou que havia se apaixonado pela mulher do gerente e queria porque queria dar uns cacetes no pobre homem. Foi um custo acalmá-lo. Passei a noite segurando o valentão. Só o liberei quando se comprometeu em compor o hino oficial do "Eu Acho é Pouco" clube carnavalesco do qual eu à época fazia parte. Efetivamente o Maurício me envia tempos depois uma fita cassete com a gravação do hino. Passei de imediato à diretoria do clube. Não sei o que fizeram da música. Acho que não gravaram. Uma pena.

De repente, não mais que de repente, começou a tal corrida de obstáculos que não teria ganhadores. Desapareceu tudo. Nosso trabalho, nosso empenho. Era difícil acreditar. Acreditar por exemplo que quando a notícia se espalhou Paulinho e Cia tiveram que se asilar em minha casa porque a reportagem da Veja e outros jornais de circulação nacional queriam uma coletiva esclarecedora. Logo após, A Tribo teve que ser desfeita. Eu e o finado Nogueira nos negamos a assinar o distrato, sentença de morte da Empresa. Imaginávamos que a estrutura criada por mais elementar, poderia se adequar a outros empreendimentos. Qual o que!

Foi como no carnaval: Um sonho que durou três dias!

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