segunda-feira, abril 15, 2013

O sucateamento da Educação

 




Maria Julia Ferraz

 Como é possível que ao mesmo tempo em que se festeja o empobrecimento cultural e os professores são amarrados por teorias absurdas, sejam exigidas melhorias educacionais?
 
O ofício de professor é reconhecidamente difícil. No Brasil isso é ainda mais evidente.
Sucatearam a Educação para depois sucatearem a escola. A esquerda culpa os militares por isso. Mas, é interessante lembrar que os professores durante aquele período ainda eram bem remunerados e respeitados pelos alunos.
 

Um dos grandes problemas do Brasil é que estamos sempre procurando os “culpados”. Buscamos os “culpados” pela violência (geralmente a burguesia protofascista e conservadora que esfrega sua riqueza na cara dos mais pobres e injustiçados pelo sistema), procuramos os “culpados” pelo nosso atraso (ah! Portugueses que aqui estabeleceram uma colonização de exploração, vocês foram maléficos!), ou seja, não buscamos COMO melhorar, queremos identificar de onde vem a culpa por sermos como somos.
 

Com a educação também é assim. Não avaliamos o contexto prático de um sistema que foi, aos poucos, sucateado. Raramente analisamos o quanto teorias construtivistas apenas servem para reafirmar que o “conhecimento cotidiano” é mais importante que o conhecimento formal. Vedaram tanto os olhos dos professores que eles próprios repetem que as “habilidades e competências” devem ser valorizadas. Que assim seja, mas sem que vulgarize os conceitos. E é aí que vem o grande problema: que conceito? Conhecimento conceitual, com valorização da língua mais erudita tornou-se algo visto como elitismo, matemática com noções de equação, fórmulas e números tornou-se algo distante da realidade (para quê um aluno vai usar isso? Temos que fazê-lo ter condições de ter um conhecimento ligado à sua realidade). Quanta retórica inútil. Mais que inútil, é a retórica que sequestrou o professor, é o algoz da verdadeira formação.
 

Festejamos o empobrecimento da cultura e pedimos melhorias educacionais. Como assim? Qual é a chance de valorização de um profissional da área educacional em um país em que falar corretamente e defender isso é algo vergonhoso, próprio de estados como São Paulo que demonstram ser a “vanguarda do conservadorismo”?
O professor está amarrado, cego por essas teorias que tiram de sua profissão a sua grandeza. E como zumbis, andando em meio ao apocalipse educacional repetem: “queremos melhores condições de tratamento, queremos melhores salários, queremos...”
Sob a defesa de que a educação deveria ser democratizada, tiraram da escola, portanto do professor, a possibilidade de cobrar. Em face de se acreditar que a educação era por demais repressiva, foram banidos limites e conceitos mais elaborados. O papel do professor ficou reduzido a mero facilitador, quando não de babá.
 

Nas escolas públicas isso é mais evidente. Na escola particular, o professor convive com o estresse de ser avaliado pelo aluno através de pesquisas de satisfação. Ou, mesmo quando não existe a tal pesquisa, o professor sabe que não há estabilidade possível. São raras as escolas que mantém um professor que não “agrade” aos seus alunos.
O leitor pode estar pensando: “mas, é natural que a escola queira que seus alunos fiquem satisfeitos.” Você, caro leitor, já parou para pensar o que faz um adolescente satisfeito em uma sociedade que busca apenas consumo e prazer? Você acredita mesmo que um aluno ficaria satisfeito com seu professor que prima por autoridade (não confundir com autoritarismo) e qualidade? Acredita que, em uma sociedade onde nem os pais, muitas vezes, estão acostumado a lidarem com suas próprias frustrações, os alunos consigam lidar com notas mais baixas ou com uma postura severa?
 

Claro que todas as questões apresentadas acima estão ligadas também a um contexto maior, que é a busca da sociedade como um todo pelos atalhos, pelo caminho mais fácil. Quem nunca ouviu: “temos que fazer com que a criança tenha prazer em aprender”; ou “a leitura tem que ser prazerosa”. Óbvio que fazemos mais espontaneamente o que nos dá prazer, mas a construção da maturidade, necessária para sermos adultos minimamente equilibrados, passa pela compreensão de que há partes mais difíceis no processo cognitivo e que atenção não é despertada apenas pelo “carisma” constante do professor, atenção é muitas vezes uma necessidade voluntária. Ou seja, ou eu presto atenção ou não vou conseguir entender os conceitos necessários para um exame, avaliação. Atenção a gente também se obriga a ter. Isso é importante também.
 

O aluno brasileiro só desperta durante os vestibulares. É por isso que os cursinhos estão abarrotados de alunos que se desesperam em assimilar tudo o que não compreenderam em três anos de Ensino Médio. E ainda assim, quando o resultado não é satisfatório, culpa-se quem? Adivinhe... sim, o professor.
 

É lamentável observar que tiraram dos professores seu ofício de ensinar e tentam convencê-los de que isso é correto em nome da democratização da educação. E fazem isso através de uma construção teórica que, em uma primeira leitura, parece convincente. Muitas vezes, os cursos de licenciatura propagam nas ementas de disciplinas pedagógicas o “não ensinar”, ou seja, propagam ao professor que ele deve ser tudo: bom, atento, responsável, manter a disciplina, levar o aluno ao conhecimento (por mágica, talvez), porém, não mostram COMO fazer isso.
 

Outra forma de achincalhar com a educação foi tornar a profissão de professor algo ligado à pobreza. Quem não se lembra da figura do falecido Chico Anísio em sua “Escolinha do Professor Raimundo” com o bordão: “E o salário, ó!” Claro que era uma forma de criticar a situação do professor, mas convencionou-se a carreira do magistério à condenação à pobreza. Para a maioria das pessoas, ser professor é pedir para passar fome. Estou longe de afirmar que o salário do professor é digno. Os salários deveriam ser mais atrativos sim! A questão é outra aqui, a questão é que, através dessa vinculação, a carreira foi se tornando cada vez menos atrativa e hoje tornou-se refúgio de quem não tem opção. Os cursos de licenciatura avançam porque são mais baratos.
 

Não se trata de defender o aumento dos preços dos cursos de licenciatura ou algo do gênero, mas sim mostrar como ao longo dos anos sucatearam o ideal de educação como um todo. Da formação à profissão, tornaram o ofìcio do professor algo desprovido de brilho. E isso é triste.
 

Outra coisa que também tentam constantemente enfiar na cabeça do professor é que “Ser professor é uma vocação, muito mais que uma profissão”. Isso significa o quê exatamente? Se pensarmos em vocação como dedicação, isso é verdade. No entanto, se essa visão refere-se a resignar o professor a aceitar suas condições de mero coadjuvante onde ele é essencial, isso é um erro e uma canalhice imensos. Afinal, professor é profissional sim. E deve ser remunerado para isso. Ser profissional não é ofensa. Pelo contrário. Ser profissional leva ao desenvolvimento pessoal também e à busca pela excelência.
Ao repetirmos alguns discursos que parecem ser favoráveis ao ensino, estamos, na verdade, liquidando com ele.
 

Que consigamos acordar a tempo, antes que o sono da razão gere monstros muito maiores que aqueles gerados pela eterna vigilância.

MÍDIA @ MAIS

Um comentário:

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Hugo,

Extraordinário o texto postado! É sério tudo que está acontecendo...Lamentável tal situação! Bjs. Márcia