sexta-feira, agosto 23, 2013

Chama o Columbo

Hugo Caldas

 Um certo mistificador, escritor, mago e enganador dos bestas nos assegura que em algum momento da nossa existência o universo conspira a nosso favor. Confesso que sou forçado a concordar. Meio cabreiro, passo a refletir sobre conspirações cósmicas, no exato momento em que atravessamos a duras penas esses dias de frio intenso, na Cidade Maurícia. Por certo que na conjuração dos astros em favor da minha modesta e singularíssima pessoa, eu, que respiro mal e moro nas imediações da segunda paralela à Avenida Boa Viagem, desfruto de uma dádiva; a brisa que vem do Oceano Atlântico. O ventinho brando, porém forte o bastante, meio solerte, arma carreira nos muros da Casa do Brigadeiro e vem de lá desembestado, resvalando nos prédios, batendo forte nas esquinas, criando pequenos ciclones nas calçadas, "o diabo na rua no meio do redemunho", para finalmente adentrar numa imensa golfada, a minha sala, alçando-me aos píncaros do Nirvana. Deve mesmo ser coisa feita, conspirada nas altas esferas do universo.

Pois bem, em verdade vos digo, nem tudo é perfeito. Estava eu posto em sossego na última Sexta-feira 16, a tomar a fresquinha da tarde ao pé do janelão do apartamento, quando lá pelo meio das três horas, algo inusitado aconteceu na garagem do prédio. Gritos angustiantes, nervosos, chamaram a minha atenção.

- "Pelo amor de Deus, abra esse portão, abra logo, por favor". Alguém me ajude"!

Tal era a aflição manifestada que logo maldei: algum morador deve estar numa emergência, um ataque cardíaco, ou coisa mais grave, querendo sair e pede em desespero a interferência de alguém na abertura do portão que leva uns 20 segundos para abrir e mais outro tanto para fechar. Terminei por não dar a devida importância aos gritos. Nova conjuração dos astros? Imaginei uma brincadeira de mau gosto dos operários. Explico:

Ocorre que o prédio está em obras já há bastante tempo. Colocação de pastilhas. Isso significa um trabalho interminável e irritante. Um eterno baticum, uma poeira enervante, um alarido insano que não acaba mais. Quando menos se espera aparece, como num passe de mágica, uma cara mal-assombrada tomando todo o espaço útil da janela. Passado o susto você constata que é apenas um sujeito tentando se equilibrar em um daqueles andaimes que sobem e baixam mediante pequena manivela e que, mesmo com a prancha fora de nível, cuida de espiar tudo dentro da sua casa e você não pode fazer nada. Perde a privacidade - ganha aborrecimentos a começar pela sujeira deixada pelos operários. Forçoso manter janelas e cortinas fechadas por causa da poeira e da bisbilhotice. Para o abafado infernal dentro de casa, não há solução, vai ter que suportar. Reclamar a quem? Só se for ao bispo! Cadê a conspiração cósmica?

A Sexta-Feira se constitui em dia de pagamento para qualquer empreitada que se preze e aqui não seria diferente. Falam que o engenheiro chefe da obra acompanhado de um dos operários foi ao banco fazer uma retirada de elevada quantia, para o pagamento semanal dos trabalhadores... é aí que mora o perigo e é aqui que começamos a desvendar a razão dos misteriosos gritos na garagem.

Foi bem pior do que um mero infarto do miocárdio. Foi um assalto.

A arte do roubo parece se aprimorar neste país Pindorama. A cada dia ganha rasgos de obra de arte. Pois não é que inventaram uma nova modalidade, talvez até um desmembramento da famosa "saidinha do banco!” A vítima é escolhida, observada e após o saque no caixa é seguida até o seu local determinado para ser assaltada em domicílio. Numa boa!

E os gritos lancinantes na garagem?

Bem, aí a coisa toda começa a tomar ares de filme de Hollywood. Eram dois assaltantes mais um outro comparsa ao volante, apenas um armado. Seguiram o carro do engenheiro e descobriram uma providencial vaga bem na calçada do prédio apesar da total impossibilidade nessa hora, de encontrar uma nesga de espaço para uma simples parada. A rua é estreita, tem mão dupla e estaciona-se em ambos os lados. Temos um banco na esquina e uma loja de brinquedos que inaugurou há poucos dias. Junte os clientes do banco mais a novidade da nova loja e calcule o número de automóveis! Será que não estamos diante de um cenário preparado?

Pois eles pararam o carro na vaga providencial e conseguiram entrar a pé na esteira do carro do engenheiro, apesar dos poucos segundos do portão aberto.

Uma vez dentro do prédio, começou a odisseia. A partir deste momento a história toma contornos absolutamente inverossímeis, difíceis de acreditar. As conversas posteriores com o pessoal do prédio também não ajudam muito. O ladrão que estava armado mantinha o revolver na cabeça do engenheiro mesmo após tomar-lhe o dinheiro. O outro, talvez num misto de medo e ignorância tentou, mas não conseguiu abrir o portão e pedia desesperadamente que alguém o ajudasse. Um morador do prédio acionou o controle remoto e ele finalmente conseguiu sair. Mas logo volta para apanhar com o engenheiro as chaves do carro a fim de não serem perseguidos. Dá para acreditar?

Após o falatório inútil das pessoas no local do crime, moradores, vizinhos e transeuntes, alguém registrou uma queixa na Delegacia do Bairro. O dinheiro, ninguém sabe, ninguém viu, sumiu. A essas alturas é bem provável que esteja entre as esmolas do mártir São Sebastião ou no mínimo repousa suavemente na caixa das almas.

Esses foram os fatos a mim relatados. Francamente, não acredito em uma só palavra. E não estou só no meu raciocínio. De conversa em conversa surge uma nova versão.

"História muito mal contada essa," segreda um amigo e logo emenda, como é mesmo o nome daquele detetive da TV que usava uma capa surrada, tinha o olho troncho e um resto de charuto pendurado no beiço?

De imediato lembrei-me de Peter Falk que fez história em um seriado da televisão na pele de um detetive da polícia de Los Angeles, meio atrapalhado, chamado Columbo, que descobria e resolvia em cada episódio todo e qualquer mistério.

Imprescindível chamar o Columbo!

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