Ipojuca
Pontes
O exercício da
atividade artística no Brasil neste início de milênio transformou-se numa espécie
de simulacro, sinônimo, a uma só vez, do embuste planificado, da pura e simples
malandragem e da sistemática intrujice política/ideológica. Sem meias palavras,
o ativismo das artes trafega entre nós por força do “Estado Regulado”, de
natureza socialista, em conluio com um corporativismo de fazer inveja ao
“fascio” de Benito Mussolini, e a partir do qual se formata um rumoroso calendário
de eventos culturais para a profusão de artefatos oficialmente tidos como obras
de arte.
Falar em “Estado
Regulado” não é figura de retórica. Para o teórico comunista Antonio Gramsci,
“Il Gobbo”, impulsionar a “revolução passiva” significa empenhar o governo na administração
da cultura. E o que diabo vem a ser “administrar a cultura”? Antes de tudo, a
ocupação de todos os espaços institucionais pelos agentes do partido de classe
(“moderno Príncipe”) com o propósito de subverter o universo das relações
morais, intelectuais e históricas prevalecentes no seio da sociedade.
Segundo o
receituário do comunista italiano – cujo pai, Francesco, esteve preso cinco anos por extorsão e peculato -, cabe ao
“intelectual orgânico” bombardear corações e mentes tendo como alvo a criação de
um “novo” senso comum que desvincule o indivíduo do seu passado (identificado
criticamente, nos obscuros “cadernos” de Gramsci, como algo “velho” e
reacionário). No seu projeto demoníaco, de raiz marxista, o fanático pretende nada
menos que destruir os laços que unem o homem à civilização ocidental e, por
consequência, no plano estético, liquidar com os valores e os padrões
artísticos estabelecidos ao longo dos séculos pela humanidade - coisa hoje levada
ao pé da letra no solo tupiniquim.
No plano
religioso, para varrer a noção de Deus da face da terra, o Corcunda projeta a
verdade unidimensional do partido de classe (revolucionário) como substituto, nas
consciências, da divindade ou do imperativo categórico (lei moral), para a secularização
absoluta das instituições sócio-políticas (Estado) e da cultura.
Vale tudo no imbróglio
valorativo que toma conta do espaço cultural caboclo. Por exemplo: nas redações,
cátedras, mídia televisiva, etc., o culto do “novo”, administrado pelo “intelectual
orgânico”, procura impor ao senso comum a troca referencial de Dostoiévski por Milton
Hatoum; Dante Aleghieri por um “coletivo” de poetas de vanguarda; Picasso pela
“arte visual” de Sebastião Salgado, e a obra de Wolfgang Amadeus Mozart pela “genialidade
musical” de Chico, Caetano e Gil.
Na prática, a
formatação desta “práxis” destruidora se esgota no lançamento de magotes
de filmes engajados ou descartáveis, megashows de rock em arenas ululantes, sucessivos
espetáculos de música, teatro, dança, exposições de artes plásticas e, em escala
crescente (ainda em processo de institucionalização), nas performances de arteiros
que fazem da própria carcaça a “body art”. Tudo, é claro, sem esquecer o desempenho dos black-blocs que, no
quebra-quebra premeditado das manifestações de rua, expressam, no entender da crítica
de vanguarda, a “radical linguagem da cultura punk”.
Mas o leitor não
se engane: por trás da incessante “febre de criatividade” nativa, encarada como
transformadora, ergue-se (nem sempre de forma sutil), a vontade do Estado Regulado
empenhado em controlar, promover, selecionar, financiar, premiar e punir (pela
exclusão econômica e o silêncio) as artes
nacionais, todas submissas à gerência institucional de comissários djanovistas,
conselhos de classe e burocratas militantes da causa.
A realidade é uma
só. Na total ausência de produtores genuínos ou mecenas reais – todos triturados
pela ação do Estado Regulado (entre eles, a figura do falso capitalista Eike
Batista, banido pro tempore das bilionárias benesses do BNDES), – dir-se-ia que
a prática do que aqui se tem como atividade artística sobrevive acuada entre os
prazos dos editais lançados pelo comissariado e a ânsia de servir aos cânones
ideológicos oficiais na perspectiva sempre renovada de navegar no mar venturoso
da grana fácil (subtraída, por força de lei, do bolso do contribuinte).
De fato, a dependência
da clientela é total, ninguém quer ficar de fora da parasitária roda da fortuna:
“animadores culturais”, produtores do showbizz, artistas consagrados e de
“prestígio”, iniciantes, bandas musicais, grupos alternativos, empresários de
ocasião, especialistas em leis de amparo à cultura e captação de recursos, associações
de classe, sindicalistas, ongueiros, performáticos, militantes dos “movimentos
sociais” e corporações partidárias etc. – todos, formando legiões famintas, se
voltam para o patronato do Estado que os mantém (como crianças) eternamente à
mercê das tetas dos cofres públicos.
(De como a
atividade artística se abastardou nas mãos do Estado Regulado e do
supercorporativismo é assunto que abordaremos no próximo artigo).
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